"... cicloclovias segregadas atraem mais ciclistas", está escrito numa matéria do Mobilidades do Estadão.
Será?
Algumas pessoas já leram o texto original que esteve aqui publicado. Não costumo fazer, mas vou modificá-lo para procurar explicar o porque tenho restrições e combato tanto vias segregadas, incluindo ciclovias. Para mim não é uma tarefa fácil, tanto porque não tenho um texto sintético, quanto não gosto de populismos, ou de "comprar a cabeça do outro".
Mesmo que eu tivesse grande habilidade com palavras e textos, a explicação do porque segregar deve ser a última opção não é facil de ser dada. O tema é vasto, cheio de detalhes, alguns se cruzam, e uma parte não é muito fácil para não iniciados.
O texto original que esteve aqui o que foi enviado para SP Reclama do O Estado de São Paulo, está publicado agora no escoladebicicleta.blogspot. É uma resposta a uma matéria que foi publicada no Mobilidades, caderno especial do Estadão, aliás de onde tirei o titulo. Vamos lá.
"...ciclovias segregadas...", do dicionário, Segregar: "Colocar-se de lado; pôr-se à margem de; separar ou separar-se", que é uma das razões pelas quais nossa sociedade está cada vez mais dividida e violenta.
É certo que "ciclovias segregadas atraem mais ciclistas" pela sensação de segurança, até certo ponto e dependendo das condições uma afirmação pertinente, mas não necessariamente verdade raza e definitiva, não no que diz respeito à segurança no pedalar.
Por onde começar a explicação?
Segurança:
Dar segurança, proteger, depende obrigatoriamente de segregação? A ideia vendida é que sem segregação não há segurança. Não é verdade, aliás, além de uma mentira conveniente, é um erro crasso.
O que não é tão óbvio é que segregar, mesmo em nome ao estímulo, tem seu preço, melhor, seus preços, vários e por várias razões.
Hoje, aqui, parece que pedalamos por um "segrege-se e que se dane o resto". Será inteligente?
"Sem ciclovia (via segregada) não há segurança", é a palavra espalhada, verdade popular, populismo bem aplicado que abraça a maioria que o aceita sem questionamentos. Será? Segregar será o único caminho para a segurança? Muros, grades, seguranças na porta, porta giratórias e outras medidas mais nos trouxeram mais segurança? Pelos números da última pesquisa agora apresentados, a resposta é "muito pelo contrário".
As ciclovias não costumam sair da porta de casa e entregá-lo na porta do destino final. A maioria pedala um boa parte do trajeto compartilhando o trânsito até chegar à ciclovia desejada, e nem percebe. Quando fala sobre segurança só se lembrar de falar sobre ciclovias. Por que será? Mais, você já teve curiosidade para levantar onde ocorrem os acidentes com ciclistas? Foram distante, dentro ou nas proximidades de uma ciclovia? A resposta é interessante.
Cidade:
Que cidade você quer? Que vida você quer?
Começando pela sua saúde, a saúde individual, todos estudos apontam que o bem estar começa pela vida coletiva, ou seja, não segregada. Não importa o estilo de vida que você tem, o convívio social é fundamental para uma boa saude.
"OK! Mas quando estou pedalando quero ter segurança e só tenho numa ciclovia", pensarão.
Tem forma de dar a segurança desejada ao ciclista sem ciclovia segragada? Tem, depende e muito de onde se está pedalando e do que entende e pretende o cidadão ciclista. Se sua resposta é "eu" quero segurança, portanto "eu" e que se dane o resto do mundo, é provavel que a sua única resposta seja "segregação". Mas neste caso não importa em que veículo você esteja, seja uma bicicleta ou uma SUV blindada, o seu nível de segurança não será o ideal. Por que? Porque trânsito é um 'jogo' coletivo, onde entender e respeitar os outros faz toda a diferença. Dados são claros e não mentem. Foi para o "eu", reduziu a muito segurança.
Se seu desejo é que você e todos tenham segurança, ou seja, jogar o coletivo, entrar no trânsito sem pensar em guerra, batalha, inimigos, a resposta vai para segregar só em casos excepcionais e momentâneos, isto se definitivamente não houver outra alternativa.
O que está em jogo é que vida você quer? e, que cidade (coletivo) você quer?
O coletivo traz riscos diferentes do segregado. A questão é que as pessoas acreditam piamente no que foi vendido. Mais, eu não tenho dúvida que brasileiro ainda não entendeu o que é uma cidade, e não entendeu porque há interesses imensos que não querem que ele entenda o que é uma cidade. O coletivo é profundamente desinteressante para certos interesses, inclusive os de esquerda que dizem defender interesses coletivos.
Descartar possibilidades testadas e aprovadas em inúmeras cidades do planeta acaba sendo tão ou mais perigoso quanto o ir cego para o que de imediato parece lógico. Muros, grades, seguranças armados na porta, são a resposta que parece mais sensata contra a violência, mas tem funcionado?
Sobre o que a bicicleta pode oferecer para a cidade:
Já escrevi várias vezes que na virada do século XIX para o XX dizia-se que "ao socialismo se vai em bicicleta", o que pode-se traduzir hoje como "ao equilíbrio social se chega pedalando uma bicicleta (não elétrica)". Bicicleta tem uma espécie de pacto com a equidade, com o equilíbrio social, com uma economia ambientalmente correta, e outras qualidades mais. Nada a ver com segregação.
Em todas as partes do planeta a bicicleta foi e está sendo usada como uma ferramenta de integração social, não de segregação. Sim, as ciclovias são a base desta transformação, mas definitivamente não o único ponto de sustentação da segurança. Olha-se o interno dos bairros e se acalma o bairro usando ferramentas para diminuir a velocidade, aumentar a atenção de motoristas e com isto dar liberdade a todos que vivem na área. Ciclovia segrega, o que tira a necessidade do motorista prestar atenção no ciclista, daí os acidentes nos cruzamentos.
O interesse pela bicicleta não está só na melhoria da mobilidade urbana e segurança dos ciclistas, mas na capacidade de integração social que bem implantada ela oferece. Só não se deve Integrar quando situações muito específicas realmente não permitem.
Aqui, segrega-se, ponto final. O povo adora, então segregam mais ainda. Com isto grande parte das inúmeras vantagens que a bicicleta traz para a sociedade como um todo perde-se.
No Brasil a segregação, não só da bicicleta, vem com uma resposta simplista, populista a bem dizer, para soluções de problemas muito complexos. Segregar atende ao pedido das multidões, populismo barato, ladainha pura. O resultado a princípio pode ser bom, e geralmente é, mas vai deixando penduricalhos não resolvidos, e estes sim são o real problema.
E as calçadas, não são segregadas?
No caso do trânsito, ciclistas têm a mesma necessidade de segregação que pedestres? Pedestres são segregados porque seus deslocamentos são muito diferentes da forma de deslocamento de todos veículos, sem exceção, incluindo bicicletas, que por lei é veículo. Começa pela velocidade do caminhar e termina pela capacidade de mudar de direção, que no caso do pedestre pode facilmente ser abrupta, pára, gira, anda para trás, abre os braços, etc..., o que é impossível para qualquer veículo sobre rodas, a bem da verdade até para monociclos. É uma questão relacionada às leis de física, que até onde se sabe são imutáveis, pelo menos no resto do planeta.
Para onde caminha a segurança do trânsito? Na maioria dos países para a redução de velocidade. Ainda em poucas localidades estão fazendo uma revolução partindo para a abolição completa de todos elementos segregadores das vias públicas, ou seja, todo mundo junto, aliás, pedestres, ciclistas, motos, carros... Vão mais longe ainda, tiram todas as sinalizações, todos semáforos, tiram tudo, deixam as ruas totalmente limpas. "Como assim? Não pode ser!" Pode, e os índices de segurança melhoraram muito até em comparação às localidades consideradas seguras. 'Shared spaces' é um dos nomes dados à técnica. O movimento começou na Holanda e vem se espalhando por cidades européias, incluindo trechos em grandes cidades, com excelentes resultados.
Para terminar, quero lembrar a irritação de boa parte da população com a implantação indiscriminada de ciclovias e ciclofaixas, muitas delas ficam as moscas. Esta irritação rebate no comportamento de muitos motoristas, estejam certos. Porque ter boa vontade e paciência com quem acha que só ele tem plenos direitos?
O dia que o Brasil parar de segregar, colocar de lado; pôr à margem de; separar ou e principalmente separar-se, vamos iniciar a construção de um futuro com futuro.