quarta-feira, 10 de dezembro de 2025

Medo de tombo, se machucar ou se quebrar

Eu fui um anjinho, vocês não fazem ideia de quão anjinho fui, minha mãe e tias sabem bem. Como um bom anjinho, que se machucava e quebrava com uma frequência, como posso dizer, estúpida, idiota... Escolham o adjetivo que quiserem. Foi com certeza um saco, a beira do insuportável para quem me socorreu com uma frequência irritante, para dizer o mínimo. Enfim, falou em tombo, falou em se machucar, bem... eu sei o que falo. Vamos lá.

Tudo na vida é aprendizado, e às custas de uma paciência infinita de quem teve que me levar 'n' vezes para pronto socorro, aprendi o que é dor, o que significa cada uma das dores que sentimos. Sim, dor não dor, mas uma boa variedade de dores diferentes entre si, cada uma com seu significado. 
Mais importante: aprendi a não ter medo de dor. Como todo ser normal não gosto de sentir dor, não sou sado, simplesmente aprendi a conviver corretamente com ela quando acontece. Não, não estou recomendando que saiam por ai se arrebentando para aprender o que é dor, só estou pedindo que ouçam alguém com experiência (larga experiência) no assunto.
Evitar a qualquer custo qualquer possibilidade de sentir dor leva a não fazer muitas coisas boas e divertidas que numa infeliz eventualidade podem machucar. Mas, como se diz, "no pain, no gain", ou "não há ganho sem dor". Ok, esta é outra dor, mas...

- Quem só pensa em perigo não tem tempo para ser seguro -
Já repeti um milhão de vezes isto. Acho que só ontem caiu minha ficha qual é o buraco de comunicação que tem aí: medo de ficar desabilitado, impossibilitado de fazer o que precisa no dia a dia. Posso afirmar que tem muito de pensamento ou as ditas verdades deste mundo bipolar. Fez, se arrebentou? Desculpe, não funciona assim. Fez errado pode se machucar. Fez certo dificilmente vai ter problema. A questão é que historicamente somos treinados para o "não", portanto pensamos "não vai dar certo". Tem até aquela gozação: "Se pode dar errado, porque vai dar certo?", a famosa lei de Murphy.   

Pode dar certo.

Passei sete anos ensinando pessoas que nunca conseguiram pedalar pelas mais diversas razões, a maioria mulheres apavoradas com tombos. Fiz todas pedalarem usando as técnicas mais estranhas, sempre focando no tirar a atenção da bicicleta. Esqueciam que estavam pedalando e pedalavam tranquilas, sem tombos, sem dor. 

"A bicicleta não existe...", ou, o perigo não existe, pelo menos pode ser controlado. E controlar o perigo começa por parar de só pensar nele. Funcionou, funciona! Óbvio que o perigo sempre está rondando, faz parte da vida, e este é o ponto. Você já deve ter tomado banho em chuveiro elétrico, e só ficou debaixo daquela divina aguinha quente porque não ficou pensando que pode morrer eletrocutado. Eu já fui, trocando resistência. Por sorte não grudei e fui arremeçado uns dois metros de distância, mesmo assim uso diariamente meu chuveiro elétrico. Ou tomo banho gelado. Para que eu tenho que ficar lembrando que Tina entendeu meu pedido errado e ligou a chave geral quando eu ainda estava trocando a resistência? E se eu ficar lembrando do chuveiro que explodiu (literalmente) no meio do meu banho? Acabei no meio da sala nú com todas minhas primas rindo. A tampa do chuveiro grudou no teto do box. O pior foi ter que tirar o sabão com água gelada. 

E se a cada pedalada eu ficar focado no que pode acontecer errado um pouco mais a frente? Óbvio que já tive pensamentos negativos, muito mais de uma vez. Óbvio que já olhei para onde não devia e me dei mal. Um dia, no meio de uma descida, caiu a ficha que eu estava a mais de 30 km/h sobre uma máquina magrinha, magrinha, de equilíbrio precário. Foi apavorante descobrir que eu estava brincando de superman sem saber voar. Naquele exato momento entendi o que sentem os iniciantes. "Que porra estou fazendo aqui?" Simples, respirei, me controlei para não me estabacar e me quebrar todo. Confesso, foi apavorante.

Inconscientemente relegamos perigos a toda hora, dependendo da situação a todo minuto ou segundo. Ou você pensa que está seguro num automóvel? Muito menos seguro que num avião, que é infinitamente mais seguro que o automóvel, mesmo assim tem monte de gente tem medo de morrer voando. No meio do trânsito não passa pela cabeça esta possibilidade porque nos acostumamos e esquecemos o perigo. "Quem só pensa em perigo não tem tempo para ser seguro".

E vem uma amiga, para quem já dei aula e fiz pedalar, e pedalava bem, mas parou, e diz que gostaria de voltar a pedalar, mas tem medo de se quebrar e ficar inútil. Aí caiu a minha ficha do problema. 

Se fossemos um pouco mais racionais, ensinaria a cair, técnica de rolagem que aprendi no judô. Nem pensar, ensinar a cair não vai ser entendido como prevenção, mas como certeza que o tombo vai ser fato consumado.

Como convencer uma pessoa que alguns riscos valem a pena e que muito do que ela considera risco só o é se ela não souber controlar e se auto controlar. A próxima vez que for acender o fogão pense nisto. Muito do auto controle vem do desviar o pensamento, se possível para o positivo. Eu sei, não é biscoito.

Muitos dos graves problemas que estamos vivendo hoje são decorrentes de uma doutrinação que a vida só é boa sem percalços. Nada mais mentiroso. Riscos  e percalços estão aí para ser vividos, até como aprendizados. Afinal, quem não arrisca, não petisca.

Viver pela metade é não viver - ditado espanhol

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