quarta-feira, 27 de abril de 2016

Testando bicicletas: como é difícil relatar um resultado

Confesso que não sei se tenho orgulho ou vergonha do que escrevi como o primeiro "redator ou jornalista" (sei lá o que eu era) a ter publicado testes de bicicletas para uma revista no Brasil, no caso a saudosa Bicisport. Orgulho porque fui o primeiro e por ter buscado um caminho que fosse construtivo para todos, leitores, consumidores e mercado, envolvido num sonho de construção de um futuro grande e promissor para o setor de bicicletas brasileiro, um mercado honesto com consumidores felizes, e muito emprego, geração de impostos, construção de cidades melhores, socialmente mais justas e agradáveis. E vergonha, se é que esta é a palavra correta, por que quando você está atrás de uma máquina de escrever, como eu estava na época, deve-se medir palavras de forma a levar ao leitor um texto o mais equilibrado e honesto possível e eu era um pouco mais entusiasmado do que deveria. Bem, a verdade muda com o tempo e a maturidade. Na época estava certo de estar fazendo o correto. 
Olhar para trás é complicado quando se tem pesada autocrítica e muita cobrança consigo próprio. Em 1988 e começo dos anos 90 a qualidade das bicicletas brasileiras não era lá muito boa... (quanta sutileza!), mas era o que tinha, e eu era o que era. Um dia meu tio José Guilhermo me orientou a evitar o uso de exageros e arroubos, o que não é nada fácil para mim até hoje. Dizia meu bisavô José Maria Whitaker “o melhor despertador é a consciência”.

É fácil fazer testes de bicicletas topo de linha. Difícil é escrever sobre bicicletas básicas ou para principiantes.
Qualquer bicicleta tem que ser comparada com os modelos concorrentes de faixa de preço e tipo de uso. Bicicletas de US$ 5.000,00 para cima normalmente são de alta qualidade e encontrar problemas é coisa rara. Julga-se sutilezas, detalhes. Nas bicicletas de US$ 1.000,00 para baixo os pequenos problemas costumam ser mais comuns. Está dolarizado porque bicicleta é produto completamente internacionalizado. Enxugar preço só é possível com corte de custos de produção, portanto baixando a qualidade aqui ou ali. Cada fabricante tem sua filosofia de composição de custo, ou seja, de onde colocar ou diminuir as qualidades de suas bicicletas.
Num mercado com público comprador e usuários poucos afeitos a reclamações, que acha normal ocorrer defeitos, como o brasileiro, os problemas nas faixas de preço mais baixas são muito mais frequentes. (Nas muito baratas os problemas são críticos, perigosos e incrivelmente ninguém abre a boca.) E ai como se faz o texto de uma destas bicicletas? Faz um relato seco com um monte de pequenos detalhes que 99,99% dos usuários nunca vão perceber e destrói a bicicleta para o mercado? Que tipo de detalhes? Tipo uma rebarba de solda, um detalhe pouco visível na pintura, um desalinhamento de 1 milímetro na traseira, coisas que só um especialista consegue perceber e que não faz diferença no rodar ou funcionamento da bicicleta. Ou fala sobre os problemas graves e as boas qualidades e tenta colocar a bicicleta na posição correta dentro do mercado brasileiro que ela pertence? Acredito que esta a é posição mais adequada. Quem já ouviu ou leu a tradução de um teste de bicicletas por uma revista alemã sabe que estamos na idade da pedra lascada e que eles são completamente neuróticos, malucos pela qualidade extrema. Talvez, só talvez, por isto a Alemanha seja o país um dos países mais avançados, influentes e ricos do planeta e nós... Quem faz um teste busca colocar tudo numa balança. Trabalho difícil. 

terça-feira, 19 de abril de 2016

Decatlhon MTB 200 revisão, montagem e teste


A compra das duas Decatlhon MTB 200 foi feita principalmente por causa do preço, em oferta por R$ 629,00. Está na faixa de preço das básicas mais simples, mesmo com um conjunto de peças melhor que a concorrência.
Feita uma montagem cuidadosa o resultado final foi surpreendente, muito melhor que qualquer expectativa.

A primeira coisa que chama atenção é que a MTB 200 é um modelo básico, sem frescuras. Ótimo! O quadro é clássico com dois triângulos em aço, o que me muito agrada. Bicicletas baratas deveriam ter um projeto de quadro simples, funcional, honesto, para ter um custo menor de fabricação do quadro e assim abrir espaço para uma melhoria na qualidade das peças, o que acontece com esta MTB 200. Filosofia europeia, eles sabem o que fazem.
Avisei que pegaria as duas bicicletas no dia seguinte e infelizmente quando cheguei elas estavam exatamente como se tivessem sido tiradas da caixa naquele momento. O gerente da loja pediu desculpas. Dei um tapa geral, enchi os pneus e sai pedalando uma bicicletinha simples, agradável, ainda desajustada e mesmo assim com câmbios e freios funcionando bem.

O número de série está colado no tubo inferior num adesivo, mas eu preferiria marcado em relevo. AM 101.538 e AM 133.195 - a que ficou comigo e está sendo testada. Bicicleta e número de série fotografados e devidamente guardados. E aqui começa a revisão e ajuste:

Rodas:
As rodas têm aros de folha simples, 36 furos, muito parecidos com os da concorrência. Uma das razões para ter optado pela compra é que passei os dedos pelas emendas dos aros e mal deu para perceber onde estão, o que é raríssimo entre bicicletas básicas brasileiras. Confesso que até pensei que os aros eram importados.
Desmontei os pneus para centrar as rodas. Pneus 2.1 urbanos e câmaras Kenda, nota 10! Fita de aro em borracha bem boa.
Interessante, mas o guarda chuva estava perfeito de todas as rodas estava correto, mas todas estavam fora de centro; sinal de máquina de montagem e centragem de rodas mal calibrada. Dá para a Decathlon resolver fácil. Não foi muito difícil zerar a centragem das rodas, o que é reflexo do cuidado na fabricação dos aros.
As rodas dianteiras estavam com raios mais soltos do que eu gosto. Rodas traseiras estavam com raios mais tensos que o desejável e mesmo assim os aros não apresentavam os furos dos niples deformados.

Cubos e blocagem em alumínio, simples, simpáticos. Uma das principais razões para fazer os ajustes de montagem com muito cuidado em qualquer bicicleta está no ajuste e bom aperto dos cônicos de rolamento, que normalmente vem rodando mal, presos, e com pouco aperto.
Rodas bem centradas e cônicos bem ajustados faz uma diferença enorme no rodar da bicicleta e na durabilidade de todo conjunto.

Um simpático adesivo colado no aro ao lado do bico indica a pressão correta e o diâmetro máximo de pneu, um detalhe que mostra o caráter de quem fabrica a bicicleta.
Pneus e câmaras Kenda é um 7 X 1 na concorrência: rodam fácil e vão furar menos. Conheço bem porque a muito são minha opção.

Movimento central:
Um dos eixos estava invertido o que me levou a desmontar o central. A aparência é melhor que os da concorrência, com colares de esferas que inspiram confiança. Nas duas bicicletas as travas de bacia de movimento central estavam um pouco soltas para meu gosto. O ajuste final mostrou um movimento central muito preso para meu gosto. Vai ter que amaciar para rodar mais solto? Só pode ser piada, mas não foge a regra destas bicicletas mais baratas vendidas no Brasil.

Caixa de direção:
Bem ajustada de fábrica. Mesmo sendo uma bicicleta básica eu gostaria de ter um pouco mais de canote de garfo até mesmo para poder subir um pouco o guidão. Mas isto é detalhe. Enfim, a caixa de direção veio bem ajustada e girando perfeitamente.

Quadro:
No geral muito bem cuidado. Em aço, com desenho clássico, sem frescuras, com pontos de apoio para bagageiro e para-lamas só encontrado em modelos mais sofisticados e caros. Um deles veio com uma pequena diferença no boss traseiro esquerdo, coisa boba para um mecânico com prática.
Uma das boas qualidades desta Decatlhon MTB 200 é o canote de selim com medida 29.2, muito mais grosso que o padrão brasileiro de bicicletas básicas. Ótimo, ótimo mesmo! Não entorta e corre feito manteiga em pão quente. Mais um gol nos 7 X 1 na concorrência. Com um tubo de selim mais largo o quadro fica também mais resistente.

Pedivela: Triplo, simples, em aço. Relação um pouco curta, boa para uma cidade acidentada ou para gente calma. Engates precisos. Num dos pedivelas o excesso de tinta dificultou um pouco o rosquear do pedal.

Pedais: ruins!
É inacreditável que o IMETRO dê certificado de qualidade para produtos como os pedais de plástico de baixo custo tão comuns a praticamente todas as bicicletas básicas vendidas aqui no Brasil. São muito frágeis, com folgas além de qualquer conta, mal injetados, com erros grosseiros de projeto inclusive do eixo. Depõe contra o trabalho tão necessário do IMETRO. Para entender, um pedal Xerana, de Taiwan, por exemplo, que seria concorrente direto destes nacionais, rodou no dia a dia uma década. Caiu, bateu, girou e gira sem dar qualquer problema. Aposto como estes pedais com um ‘M’ estampado vai quebrar em semanas, quando não em dias. Sempre foi assim, porque será diferente agora? Vieram com uma folga absurda. Será que o IMETRO realmente fez testes de qualidade e resistência? Eu duvido.

Câmbios:
Vieram surpreendentemente ajustados e funcionando bem. É lógico que dando um tapinha funcionaram melhor. A razão é simples: a Decathlon optou pelo conjunto completo do sistema de marchas Shimano, o que inclui, trocadores, câmbio dianteiro, conduítes e cabos. O funcionamento do sistema na MTB 200 é bem melhor que das concorrentes, que não raro colocam o câmbio traseiro e trocadores de marchas Shimano e o resto sabe-se lá que marca é.
Trocadores são Shimano Revoshift, de 7 marchas atrás e 3 na frente, tem um funcionamento seco, cleque, cleque, mas fácil de acionar e preciso.

Freios Logan em alumínio - V break. Frenagem segura e sem tranco, mesmo com os aros novos, mais outro gol da MTB 200.

Selim e carrinho de selim Sele Royale, de boa qualidade. O selim tem desenho estranho, mas é confortável. O carrinho é muito melhor, visivelmente mais forte que o da concorrência, ou seja, o selim não vai descer ou embicar. Neste conjunto se deve novamente elogiar o canote de selim 29.2 em aço de boa qualidade, infinitamente melhor que os outros.
Curva de guidão em aço com o ponto de apoio para avanço um pouco estreito, o que dificulta o ajuste do guidão. Manoplas são as básicas da Shimano, duras para meu gosto, mas usáveis. Manetes em alumínio de boa pegada.

Suspensão: simples, de pouco curso, justa, bem justa, sem trancos, sem barulhos. Funciona bem suave. Gostei.

Já pedalei o suficiente com a Decathlon MTB 200 para saber que é bem melhor que qualquer concorrente. Fiz alguns ciclistas testarem e ficaram muito bem impressionados. É muito barata para o que entrega; muito benefício para pouco custo. É lógico que se tem que lembrar que é uma bicicleta básica, bem simples, que tem que receber uma montagem cuidadosa, mas a MTB 200 tem uma qualidade geral praticamente igual às básicas vendidas na Europa, o que é de se tirar o chapéu num mercado podre como o de bicicletas básicas do brasileiro.
O ponto crítico são os pedais, ruins. Ainda não troquei porque quero ver quanto aguentam, mesmo com medo de me machucar por causa deles. Os últimos idênticos a estes duraram incríveis duas semanas e foram para o lixo.
Eu provavelmente vou colocar um movimento central melhor do que está lá porque sei que a MTB 200 vai ter o que merece.

Conclusão: pelo preço e qualidades a MTB 200 dá um baile na concorrência. 7 X 1 é pouco.