sexta-feira, 26 de junho de 2020

Mulheres e bicicletas femininas

Uma das coisas que me deixam triste é ver um casal pedalando com o cara numa bicicleta excelente e a mulher pendurada numa bicicleta simples que é grande para ela. Infelizmente é uma cena bem comum. Sinaliza que "eu sou o bom" e "de vez em quando tenho que pedalar com ela".
 
Bicicletas baratas normalmente são tamanho 19 por uma questão de custo, não importando se é masculina ou feminina. A razão é simples: quadro e peças são basicamente os mesmos. No quadro só muda a posição do tubo superior, que nas femininas é baixo. Porque? Simples: fora o tubo superior todos outros tubos são cortados no mesmo tamanho e medida, são iguais; gabarito e solda também são praticamente os mesmos, uma simplificação nos processos de produção que diminuem muito o custo final da bicicleta. Como percentualmente o número de bicicletas femininas vendidas é bem mais baixo do que o masculino, e muito homem compra bicicleta feminina, não interessa nem vale a pena ter no mercado das básicas tamanho próprio para a altura média das mulheres brasileiras. Em mercados como o nosso, com compradores de baixo nível cultural, ter um único tamanho de bicicleta feminina é normal. 
Alguns fabricantes encurtam o tubo de selim, mas mantém a mesma distância entre tubo de selim e caixa de direção do modelo masculino, além de usar o mesmo avanço de selim, ou seja, a feminina é vendida como tamanho 17 quando é uma 19 "falsificada". Mulheres com menos de 1,68 m, 1,65 m, ainda conseguem ter uma posição de perna mais adequada, mas continuam com coluna e braços mais esticados que o ideal. Moral da história: pedalam tortas. 
É comum ir conversar com estas mulheres que pedalam penduradas e ouvir que "do jeito que está bom". Triste. Com um pouco de convencimento elas fazem um teste numa bicicleta correta para a altura delas e acham uma maravilha.
Os companheiros ou maridos, os mesmos que tem bicicletas "sob medida", também parecem incapazes de pelo menos trocar o avanço por um mais curto, o que já ajudaria e muito as dores nos braços ou na lombar da companheira.

Tem bicicleta para tudo que é medida e altura de mulher. Pode custar um pouco mais caro ou até mais caro, mas vale a pena, e como vale! Pedalar numa bicicleta correta custa bem menos que fazer fisioterapia. E ficar pendurada pode ser uma das razões por que ela não gosta de pedalar ou diz que tem medo. 
Bicicleta correta, principalmente para as mulheres, faz milagres. Elas merecem, e como merecem!

Ferramenta correta e de qualidade

Barulho é sinal de problema e problema tem que ser resolvido o mais rápido possível para não virar um problemão, este sim um perigo para integridade do ciclista. Reaperto periódico deve ser regra e evita muitos problemas. Aproveite a cada reaperto para dar uma olhada como está cada peça e componente da bicicleta. 

O que e como fazer os apertos e ajustes não me preocupa por que hoje há tutorial para tudo no Youtube. Não se apanha mais como minha geração apanhava. Não só eram raros os livros e manuais, que começaram a aparecer com as peças Shimano lá por 1988 aqui no Brasil, como só se conseguia informação e dicas tendo amizade com um bom mecânico de bicicletas para saber o que fazer. Normalmente era jogar no escuro, na tentativa e erro. 

Ter boas ferramentas é essencial para tudo. Qualquer que seja a ferramenta tem que encaixar com precisão, sem folgas. Por exemplo, uma chave de fenda Phillips quando exata para o parafuso trava no encaixe; o mesmo para uma simples chave de fenda ou outra chave qualquer.

Hoje os apertos e ajustes básicos numa bicicleta são feitos até com um simples canivete allen, mas é crucial que seja da melhor qualidade possível. Tem alguns canivetes no mercado que não valem nada, são muito moles, deformam na menor força e acabam estragando o parafuso. Partindo da qualidade escolha o canivete com as chaves próprias e exatas para a sua bicicleta.

É comum que quem não tenha prática no uso das ferramentas aplicar mais força que o necessário e estragar tudo. Não é apertar até ranger os dentes. Nas peças de qualidade o fabricante define o torque, a força, exata que deve ser aplicada. Caso não tenha em mãos qual é este limite nem um torquímetro, vá apertando devagar até o parafuso / porta parar de girar. Se não tem prática ou tem a mão pesada (leia-se sem controle de força) evite usar chaves allen longas ou vai espanar um monte de parafuso. A saber, o tamanho de cada ferramenta é determinado pelo ideal de força que ela aguenta ou pode aplicar nos parafusos / porcas.

Terminando: tem muita bicicleta destas baratinhas que é fabricada com o que chamo de parafusos, porcas e arruelas manteiga, aquelas que só de olhar derretem. Não tem ajuste que segure e muito fácil espanar ou deformar o parafuso / porca. Por outro lado, uma bicicleta com qualidade internacional, padrão primeiro mundo, chega a rodar sem necessidade de qualquer ajuste mais de década depois de uma montagem correta, com os ajustes corretos. Aí ferramenta serve muito mais para ajudar os outros, o que é sempre bom.

terça-feira, 9 de junho de 2020

Parece loucura, mas não é

"Meu carro não gosta de sorvete de baunilha", uma história real e surpreendente sobre a importância de se dar atenção e pesquisar situações que parecem ridículas. MY CAR DOESN'T LIKE VANILLA ICE CREAM virou case de qualidade de atendimento. Quando o proprietário de um Pontiac voltava da compra de sorvete de baunilha o carro simplesmente empacava, não pegava, não saia do lugar. Se ele comprasse qualquer outro sabor o carro pegava normalmente e ia embora. O pessoal da GM achou que era gozação até que um funcionário mais curioso decidiu ver o que estava acontecendo e descobriu que o Pontiac de fato só pifava na compra do sorvete de baunilha. 

Aqui em São Paulo tem uma historinha mais singela que remonta ao final dos anos 60. Uma senhora teve que trocar seu velho carro importado e comprou um fusca. Uns dias depois voltou para a concessionária reclamando que o carro não andava bem, que gastava uma gasolina louca. O pessoal fez uma revisão, não descobriram nada de anormal, regularam o motor e entregaram o carro. Passados uns dias a senhora voltou reclamando do mesmo problema. De novo para a oficina, desta vez com mais gente procurando o defeito, e nada. Devolveram o carro e mais uns dias lá estava ela de volta. Aí o gerente da concessionária com muito jeito pediu para dar uma volta no carro com ela dirigindo. A senhora entrou no carro, puxou o todo o afogador e pendurou a bolsa nele. Para quem não faz ideia do que é um afogador, era uma alavanca que se puxava para dar partida no carro quando o motor estava frio. Se não puxasse o afogador o motor não pegava. Depois de um tempo o afogador tinha que ser fechado ou o carro não funcionava direito. 

Conto estas duas histórias porque apanhei para valer da minha bicicleta que estava fazendo barulho - que espero que eu tenha resolvido. Tenho quase 50 anos de experiência com bicicletas e antes disto tinha com automóveis, e nunca tomei uma surra como a desta vez. Bicicleta ou faz tique-tique ou não faz. Nunca tinha passado por uma situação que só depois de rodado uns quilômetros o barulho aparecesse. Pior, conforme a temperatura tinha barulho ou não. Depois de muitos dias parece que descobri e resolvi o problema, mas só vou cantar vitória depois de rodar bem e não ouvir mais nada.

Tenho uma longa experiência com atendimento ao público e não me lembro de situação semelhante. Tem uma que não foi defeito, mas má fé do cliente: veio do Rio de Janeiro um garfo, dos melhores, torto de uma forma que nunca tinha visto. O cliente estava furioso dizendo que era defeito de fabricação, que iria nos processar, etc e tal. Mandamos a foto e perguntamos à matriz da Specialized se eles já tinham tido um problema semelhante e se sabiam o que poderia ter acontecido. Responderam que não e que não faziam a mais remota ideia de como o cliente tinha conseguido tal proeza. O garfo torto ficou na cabeça de todo mundo sem resposta até o dia que passei por uma garagem e vi um motorista tirando a bicicleta do teto do carro antes de entrar. Bingo! Já tínhamos enviado um garfo novo e feito a manutenção da bicicleta, como manda a regra, mas mesmo passado um bom tempo fizemos questão de avisar o cliente que tínhamos matado a xarada. Pelo telefone ele ouviu quieto.

Barulho ao pedalar - de onde pode vir?

Não sei como é para vocês, mas eu fico completamente neurótico com a bicicleta fazendo barulhinhos enquanto pedalo. Tão neurótico que já tive pesadelos sobre o pedal, dormi muito mal e acordei com um humor do cão. Pior, muito pior, meu pesadelo não deu a resposta de onde vem o maldito barulho. Quem foi o imbecil que disse que sonhos e pesadelos são prenuncio do que acontecerá?

Quadro de alumínio não deixa passar um nhéque-nhéque, um tique-tique sequer de peça mal apertada ou com qualquer defeito. Infernal! Num quadro de alumínio o que parece óbvio pode não ser tão óbvio assim. Barulho que vem de lugar bem definido é só reapertar e desaparece. Néque-néque de pedivela ou pedal mal apertado é barbada. Mas quando parece vir do selim e vem da blocagem traseira solta, o que já me aconteceu... é de enlouquecer.

Quer mais? Quando saio com a bicicleta ela não faz barulho, só vai fazer depois de rodados uns 3 km. Nos dias de muito frio não faz barulho. Se pedalo em pé não faz barulho. Conforme estou pedalando e onde estou faz. E aí vai. Não faz sentido. 

Fez barulhinho? Reapertar com cuidado todos parafusos da bicicleta costuma não só terminar com barulhinhos chatos, mas evitar outros defeitos. Lembre-se que reapertar não tem nada a ver com espanar parafusos ou porcas. Reaperte com a ferramenta correta, bem encaixada, parando quando o parafuso ou porca ficou duro de movimentar. Peças em vibra de carbono só devem ser apertadas ou reapertadas com torquímetro ou correm o sério risco de estourar sem aviso na hora ou quando você estiver pedalando. É preciso muito mais cuidado que o que se deve ter com peças em alumínio ou plástico. 
 
Comecei pelos pontos mais comuns; canote de selim, movimento central, parafusos do pedivela, pedais. Tenho as ferramentas certas, então desmontei, limpei, olhei para ver se tinha alguma pequena rachadura ou outro defeito, tudo certo, lubrifiquei, remontei e apertei. O barulho não parou. Passo seguinte; raios da roda traseira, blocagens.. e... e... tique-tique. O reaperto, depois de tanto rodar, já se fazia necessário na raiação traseira e pedivela. Descobri que um dos refletores dos pedais estava um pouco solto, mas não era a razão do barulho. 
A raiação das rodas deveria ser checada com certa frequência, mas é comum esquecer. Perda de tensão em alguns raios nesta buraqueira que pedalamos pode acontecer e é uma das principais razões para a perda e consequente troca do aro. O ideal é que todos os raios devem estar com mesma tensão, o que raramente acontece com aros e raios comuns, não profissionais. 
Troquei o canote de selim porque achei que a cabeça do canote poderia estar frouxa ou trincada. Não era e voltei para o antigo. Por absurdo que possa parecer aprofundei o grampo de selim no tubo de selim e o barulho diminuiu, mas não acabou. Peguei uma lupa e olhei no tubo de selim para ver sinal de trinca no quadro, mas nada.
Pensa, pensa, olha, olha. "Isto é quadro de alumínio e o barulho pode estar em qualquer lugar. O que não faz sentido e ainda não olhei?" Finalmente descobri: o apoio da blocagem da roda traseira tem uma micro trinca. Não, não, não. também não era. Finalmente descobri: retirei e lubrifiquei o grampo de selim. O maldito barulho de fato vinha do contato do grampo com o tubo de selim como imaginava a princípio. Lubrifiquei a blocagem e o selim, e sonhei que tinha lubrificado o grampo. Acontece, mas não deveria. Ser um louco neurótico obsessivo perfeccionista de vez em quando resolve.

Moral da história e recomendação final: repito, de vez em quando reaperte com carinho toda a bicicleta e veja a tensão dos raios. Caso persista um barulho que você não encontra vá até um mecânico que seja macaco velho, que são os que sabem das coisas. Ele vai resolver.