terça-feira, 30 de janeiro de 2024

Consertar ou fazer manutenção, tudo demanda ordem.

Quem já teve a grata experiência de ver os mecânicos de Fórmula 1 trabalhando nos boxes tem uma referência preciosa de como se deve fazer mecânica, manutenção ou consertos. Vale para tudo, inclusive para bicicletas.
  • olha o problema com calma
  • analisa e avalia o que deve ser feito
  • define o ambiente para fazer o serviço: bicicleta fixa com espaço para sua movimentação
  • espaço apropriado para as ferramentas e peças e completamente limpo para o serviço 
  • separa as ferramentas e reparos necessários
  • coloca eles a mão e próximos ao que deve ser consertado ou reparado
  • posiciona tudo em ordem que será usado: primeiro esta ferramenta, depois aquela...
  • pegou, usou, devolveu para o mesmo lugar que estava antes
  • soltou algum parafuso ou peça, coloca separado e em ordem de desmontagem
  • caso necessário, tenha vasilhames para depositar parafusos, porcas, arruelas e peças pequenas
  • limpe o que for necessário longe das ferramentas e outras peças 
  • ferramenta sujou, limpa antes de reusar
  • antes de fechar, dê uma última olhada para ver se está tudo certo
  • fechado, terminado, testa ainda onde foi feita a manutenção
  • Na F1 eles fazem um shake down, ou teste em condição real para ver se está certo.
  • limpe todas as ferramentas antes de voltar a bancada ou caixa de ferramentas
  • tudo guardado olhe para ver se não ficou nada fora do lugar
  • limpe tudo. 
Tive a oportunidade de ver alguns dos melhores mecânicos de bicicleta deste país trabalhando e posso dizer que os procedimentos são muito próximos ao que descrevo acima, padrão F1, que deve ter como base o padrão mecânica da aviação aeroespacial, sim aeroespacial. 

Mesmo num conserto de furo de pneu no meio do nada é bom que se siga algumas regras: colocar tudo em ordem e a mão num ambiente o mais limpo possível, e se disciplinar para o 'pegou, voltou para o mesmo lugar'. Que nunca nada saia de sua vista. Desmonte e monte com muito cuidado para que todas as peças continuem na sua mão, ou bem guardadas no chão, longe dos pés, de preferência.

Estas dicas valem só para serviços? Não. Decidi escrever este texto porque perdi, ou esqueci, meu boné num café. Tenho um problema com atenção e aprendi a me disciplinar para evitar estes erros, que mesmo assim acontecem. Fiz tudo correto, mas esqueci de prender ele na minha mochila. Tomei o café com a mochila em cima do boné, que é tão preto quanto o estofado. Resultado: acabou ficando lá. Para meus pulos de alegria eu me lembrei de onde poderia estar e o pessoal do café foi gentil e guardou.

É lógico que algumas vezes a gente faz besteiras por puro cansaço. Um dia destes, bem atrasado, saindo correndo, nem a pau encontrava a chave das portas. Quase fiquei louco. Controlei o desespero, parei, repassei todos passos antes de estar pronto para sair (?) e depois de ter feito passo a passo tudo, já convencido que estava preso em casa e perderia o dentista, lembrei que tinha tomado um copo de água. Abri a geladeira e lá estava a chave junto com a garrafa d'água. 

Ter disciplina diária nas ações mais triviais é um exercício para evitar pequenos erros enlouquecedores. 
Vale lembrar um dos princípios do Budismo: Não existe liberdade sem disciplina. Pura verdade.

quinta-feira, 11 de janeiro de 2024

Clipe ou pedal plataforma?

Quanto dá a diferença de rendimento pedalando com clipe ou com um pedal plataforma? Alguma coisa em torno de 3%, isto com ciclistas profissionais pedalando. No meio de ciclistas amadores bem menos. Quem diz isto? Respeitados sites europeus especializados que fizeram testes comparativos usando tecnologia de ponta para medir os resultados. Os próprios testadores iniciaram seus trabalhos com nariz torcido para o pedal plataforma, e no final confessaram que erraram.

A comparação foi feita entre um bom pedal clipe e um pedal plataforma com pinos que mantem a posição de apoio do pé. Qualquer combinação de pedal com calçado que escorregue definitivamente não é recomendável.  

Quando a moda de pedalar estourou e o pessoal foi atrás de assessoria, ouvi muito de todos lados sobre a importância de se pedalar com sapatilha e clipe, mesmo quando o ciclista era novato, sem experiência ou idoso. Em contraponto, por um bom tempo não pararam as histórias de ciclistas que se machucaram por estarem com os pés travados no pedal. E os tombos continuam por ai. 
Cansei de discutir, e depois de algumas conversas tortas simplesmente desisti de dar murro em ponta de faca. Quer ficar travado no pedal para tomar tombos idiotas, quando não dramáticos, não é problema meu. Divirta-se!

A alegação de todos, até hoje, é que melhora muito a qualidade do pedal e dá mais segurança. Não é porque o ciclista está conectado intimamente com a bicicleta que ele pedala melhor e estará mais seguro. Pedalar melhor é conhecer e aplicar as técnicas básicas corretas, incluindo aí o respeito ao próximo, essencial. Ciclismo é a arte da suavidade. Só é seguro quem não comete erros e pensa corretamente.    

O número de tombos relatados na hora de parar a bicicleta sempre foi e continua sendo grande. Num destes tombos, parado, um ciclista amigo fraturou a cabeça do fêmur, simples assim. Conheço histórias de fratura de pulso, ombro, rótula... todos porque o clipe não soltou. 
Com um outro amigo, na chuva, ele perdeu aderência, a bicicleta voou longe travada numa das sapatilhas causando uma grave distensão muscular. Não foi o único.
As histórias não param, todo mundo já ouviu, e mesmo assim iniciantes são levados a acreditar que pedalar de sapatilha é mais seguro. Se não for assim, como vão vender sapatilhas e pedais de clipe tão preciosos. Você acredita mesmo que o pessoal está preocupado com a segurança do comprador?       

"O rendimento é melhor porque consigo puxar o pedal para cima..." Mesmo antes de aparecerem estes testes no YouTube já tinha ouvido de monte de ciclistas profissionais que não é bem assim, que puxar para cima não é fácil e muito menos para qualquer um. São pouquíssimos os ciclistas que conseguem dar o giro completo, aplicando força nos 360º. Aliás, mesmo que consigam puxar, a força que temos para puxar com a musculatura posterior da perna é muito menor que a de empurrar para baixo, que além de uma musculatura mais habituada, porque tem que sustentar o peso do corpo, o empurrar para baixo conta com o peso das pernas. 
A quase totalidade dos ciclistas só põe força, só faz valer a pedalada, quando empurra para baixo o pedal, ponto final. Inclua aí a maioria dos ciclistas profissionais, como dizem especialistas. 

Não me lembro quem me ensinou a fazer um giro mais redondo sem firma pé e clipe, mas deve ter sido um ex BMX. E dá para girar redondo com um pedal plataforma, basicamente uma técnica de BMX. Vai colocar força no pedal nos 360º? Não, mas quase, talvez uns 240º, o que faz toda diferença.

Quem quer que tenha me ensinado a técnica fina de pedalar com pedal plataforma, que não me lembro mais quem foi, me pediu para subir a cadência o máximo possível até que começasse a pular no selim. Pulou no selim, diminui o giro até o movimento ficar só nas pernas. É um giro muito rápido. Precisa treinar aos poucos, em tiros curtos, porque é exaustivo. Dá um tiro curto, acelera o máximo o giro, sem pulo ou pé escapando do pedal. Com o tempo o corpo vai aprender como fazer o movimento e pedalar vai se aproximar de 240º de força, ou de empurrar, como queira. O giro vai passar a ser suave, mesmo quando voltar a sua cadência normal. 

Quando o pedalar ficar redondo, correto, suave, o som do contato do pneu no asfalto fica contínuo. Presta atenção quando estiver pedalando normal, ou só empurrando o pedal para baixo, vai perceber que o som  é quebrado, tipo vrumm... vrumm... vrumm.. vrumm...

Outra forma de ver se o pedalar está limpo, uniforme, é soltar a mão do guidão e olhar para o guidão. Enquanto o pedalar está no empurra empurra para baixo o guidão vai fazer um zig-zag. Quando o pedal gira limpo e suave o guidão não se mexe, segue reto em frente.

Vendo alguns destes testes comparativos entre clipe e plataforma, acabei descobrindo que ciclista de montanha essencialmente empurra o pedal para baixo. Giro mais completo é mais funcional no plano ou descidas, e para a maioria dos ciclistas só durante um curto tempo. É claro que os melhores ciclistas devem despejar força no pedal muito mais uniforme que a gente, mas eles são profissionais e nós simples mortais. Para nós, simples mortais, o importante é segurança para o prazer não acabar mal. Nada como voltar para casa inteiro e entrar num chuveiro. 

O que não tenho a mais remota dúvida é que, dependendo do ciclista e para que ele usa a bicicleta, sapatilha de clipe presa no pedal não é recomendável. Os inúmeros acidentes que o digam.
Fato é que moda não costuma combinar com segurança. Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.

segunda-feira, 8 de janeiro de 2024

Pneu na lona

O Levorin Praieiro chegou na lona, acabou.

Sempre quis rodar, rodar, rodar, até chegar na lona de um pneu. Nunca consegui porque antes dos pneus chegarem na lona a borracha ou a banda começavam a rachar e ou abrir de velho. 
Já escrevi sobre o Levorin Praieiro, que talvez tenha sido um dos pneus mais... problemáticos... que já usei, ... pode ser. Prefiro dizer que é o mais simbólico sobre como ainda é entendida a qualidade pelo povo deste Brasil de 2023. A definição da compra ainda é pelo menor preço, não importa a qualidade e a durabilidade que vá ter, ou seja o custo final do seu uso.

A maioria dos pneus que usei e continuo usando em minhas bicicletas foram e são ou importados ou Pirelli, que também são exportados, ou seja, atendem aos quesitos do mercado internacional. Eram concorrentes da Levorin, não diretamente, porque havia alguma diferença no preço, sendo os Levorin normalmente mais baratos e populares.

Já tive pneu importado, vindo de um pequeno país do sudeste asiático, estes sim os piores que já vi. Lá pelos anos 90, de sopetão, os grandes fabricantes de bicicleta foram avisados que não teriam pneus nacionais e tiveram que procurar no mercado internacional pneus para suas vendas de fim de ano. A qualidade era um desastre. 
A Levorin pode ter tido seus problemas de qualidade, e não foram poucos, mas nada parecido com estas marcas desconhecidas. A questão do controle de qualidade não foi só da Levorin, mas de todo setor da bicicleta que só queria vender, dane-se o usuário.

A Michelin assumiu a Levorin e a qualidade do Praieiro melhorou muito, mas muito mesmo. Este que está na foto, com a lona aparecendo, durou muito menos que eu esperava, mas comparado aos mais antigos a diferença é grande.

Comprei esta boa bicicleta usada, surrada, que estava com os Praieiros já bem gastos. Sempre quis testá-los, rodei até onde deu com eles e quando não deu mais, por deformação, troquei o par por novos, estes da foto. A diferença para os que vieram com a bicicleta é que ainda foram fabricados pela Levorin, e os novos já eram Levorin / Michelin. A diferença era notável: os novos estavam alinhados, centrados, e permitiam 50 libras de pressão. Os antigos, Levorin, que eu me lembre, eram para 36 libras. 
Fiquei um pouco decepcionado porque mesmo com pressão mais alta que os velhos ainda rodavam pesado, uma diferença bem sensível para qualquer importado, inclusive os concorrentes diretos. Infelizmente não marquei a data de compra para saber exatamente quanto duraram, mas não tenho dúvida que bem menos que os importados. Quando vi que os novos também tinham chegado na lona me assustei, imaginei que na fabricação a lona tinha sido assentada errada, que ainda dava para rodar por mais um bom tempo. Uma hora desmontei o pneu do aro e com o toque dos dedos ficou claro que iriam estourar.  

Estes Levorin Praieiros que acabei de comprar já vem com a marca Michelin numa etiqueta. O povão que pedala reconhece com facilidade a marca Levorin, mas duvido que a maioria dos brasileiros tenha o mesmo reconhecimento de marca para a tradicionalíssima Michelin francesa. 

Montados e rodando, a primeira impressão é que a qualidade da borracha foi melhorada, mas não dá para dizer com certeza se roda melhor mesmo ou é impressão minha. Fato é que roda mais leve com as mesmas 40 libras que os que terminaram na lona, portanto tinham menos borracha e estavam mais leves. Peso faz muita diferença no rodar.

Espero que a Michelin vá aos poucos corrigindo os problemas que a Levorin tinha, o que acredito que venha a acontecer. Michelin não vai se queimar num mercado deste tamanho.

Bom resta algumas perguntas: Se eu entendo que os Praieiros são piores que os importados, por que repetir a compra? Primeiro porque não consegui encontrar um similar importado ou da Pirelli. Encontrar pneu 29 é fácil; achar os 26 1.95 para asfalto não, principalmente em São Paulo e nesta época de Natal e férias. Provavelmente no interior ou nas praias seja mais fácil. Aqui, na capital, só tem para bicicleta chique ou da moda, leia-se 29.
Quero ver / testar como está a evolução dos produtos da Michelin / Levorin, que é para o mercado da população mais pobre. Comprar e usar é a melhor forma. 
Por último, os aros desta bicicleta são nacionais e tem uma pequena diferença no diâmetro para menos. Os importados que tentei montar não paravam no aro quando se dava pressão. Os Praieiros param.

Só agora quando fui fazer esta foto percebi que a marca Michelin não está gravada no pneu, mas que veio estampada na etiqueta de papel que estava presa e que tirei para montar. 
A calibragem é difícil de achar e ler. Está gravada pequenina no adesivo colado ao pneu ao lado do nome Praieiro bem visível. Precisam corrigir.

Talvez o que mais queira em minha vida é parar de reclamar da baixa qualidade. Espero que um dia isto aconteça. O Praiano reflete bem o drama deste país, que começa na fabricação e termina nos compradores que aceitam qualquer coisa em nome do preço mais baixo. Vale a pena? Definitivamente não!  Acredito que a Michelin tenha chegado para corrigir velhos erros.