quarta-feira, 29 de maio de 2013

Buenos Aires X São Paulo, em bicicletas

Arturo,
Boa noite


Obrigada pela atenção. Pode publicar, porém eu peço que, se possível, deixe apenas o meu primeiro nome (sem o sobrenome ou o mail).

Desde que decidi que vou voltar a andar de bicicleta, tenho acompanhado alguns blogs de cicloativismo e algo que me incomoda é justamente o que você mencionou no início - neles o motorista é sempre culpado. E isto eu tenho dificuldade em aceitar.

Por opção, meu primeiro veículo foi motocicleta. Meu segundo, bicicleta. Só fui aprender a dirigir automóvel aos 33 anos, meio contra vontade, por causa de minha mãe (na época idosa e com dificuldade de locomoção). Meu primeiro susto ao dirigir um automóvel foi descobrir que os pontos cegos, que como motociclista eu tinha certeza que conhecia, eram ainda maiores do que eu acreditava, podendo esconder até um carro. Aquele desenho dos pontos cegos, no manual da auto escola não chega perto da realidade. Passei a tomar muito mais cuidado ao usar a moto e a bicicleta porque descobri que, de fato, às vezes o motorista não tem como te enxergar dependendo de onde você está.  

Obrigada novamente.
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bom dia
Obrigado pela autorização
Eu normalmente não divulgo nomes. Parto do princípio que não é o nome, mas a ideia, o conceito, o pensar que interessa. Infelizmente nos tornamos numa sociedade mais personalista do que já éramos.
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Mensagem original
Nome: C
Cidade: São Paulo
Mensagem: Arturo, boa tarde.
Começando com a questão genérica: você viu esta notícia (http://noticias.terra.com.br/mundo/america-latina/buenos-aires-educacao-para-o-transito-pauta-discussoes-sobre-bicicletas,8b4a2febce7de310VgnVCM4000009bcceb0aRCRD.html) sobre mortes de ciclistas na Argentina? Pontos que me chamaram a atenção na notícia: a posição do presidente da Associação dos Ciclistas Urbanos de Buenos Aires, as respostas da pesquisa feita entre os ciclistas sobre comportamento deles no trânsito e, principalmente, as questões levantadas pelo presidente da Associação Luchemos Por La Vida. Como você conhece tanto Buenos Aires como São Paulo, poderia comentar a notícia?
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bom dia
Por partes.


Tenho dito que o maior problema do ciclista no trânsito é o próprio ciclista. Aqui em São Paulo já perdi a paciência com os formadores de opinião que só reclamam, só responsabilizam os motoristas e o trânsito pelos seus problemas. Tenho repetido para eles: “Aprende a pedalar”.

Em qualquer lugar do mundo, em qualquer trânsito, com qualquer veículo, inclusive a bicicleta, se você souber conduzir a maquina a possibilidade de se acidentar diminui muito, mas muito mesmo. Normalmente quem sabe pedalar de verdade não reclama do trânsito. É lógico que tem lá seus conflitos, seus incidentes, que passam sem drama, sem agressão, sem cair num nível de tensão inaceitável para a segurança.

Pedalar de verdade definitivamente não é só subir na bicicleta e seguir em frente. Não é necessário ser ciclista profissional; basta ser honesto consigo.

Infelizmente os órgãos de trânsito  de todas as partes não orientam ou educam corretamente os ciclistas. As razões vão do desconhecimento do que é pedalar à formação destes voltada para a fluidez de trânsito motorizado, fortemente enraizada no meio técnico e político. Ter pelo menos uma pessoa que realmente saiba o que é bicicleta, como NY tem, faz uma enorme diferença para os ciclistas. Querer impor regras e leis que estão no Código de Transito, que são muito voltadas para veículos motorizados e restrição de pedestres e ciclistas, é uma burrice improdutiva que não tem tamanho. São Paulo peca neste ponto. Não sei como será em Buenos Aires.

Argentina tem uma longa tradição automobilística, muito reforçada até pela memória viva dos feitos do grande Fangio. Argentina vive no passado glorioso. Eles socam o pé no acelerador para valer. Tem uma consciência baixa sobre a importância de limite de velocidade. Confesso que não sei o tamanho do problema com os pedestres, mas na época que ia para lá com frequência nunca vi ou ouvi falar sobre um atropelamento, talvez por sorte. Ou talvez por que é raro ver alguém furando o sinal vermelho, coisa comum por aqui. Porrada entre carros, algumas violentíssimas, aos montes.

Buenos Aires é uma cidade muito particular em vários aspectos. Uma delas é que  é a Capital Federal da Argentina, mas não é a Argentina, o que de vez em quando os porteños fazem crer. Aliás, tem muito argentino que se pudesse colocaria fogo em BsAs com todos porteños dentro, mas isto é uma outra história.

Escrevo isto por que os números de mortos apresentados são da Argentina e não só de BsAs. Precisaria saber como se dão estas mortes. Mais que isto; é de crucial importância saber o número e perfil de acidentes não fatais para entender o que realmente acontece.

Já os números percentuais referentes ao comportamento no trânsito devem ser parecidos com o que acontece aqui. Lembro a você que a bicicleta em BsAs é um fato muito recente, estourou a dois anos, e que sempre neste começo a situação é muito confusa. Depois se acomoda. O fato é que a prefeitura de lá se mexeu e colocou uma estrutura que não teremos em São Paulo ainda por muito tempo.

Saindo um pouco do óbvio: há um inconsciente coletivo, um caráter social, que deve ser incluído nesta história. Começa pelo ‘fangio’ deles de cada dia e termina na contaminação do exemplo que vem de cima, este sim péssimo. Não dá para separar violência do exemplo dado por governantes, principalmente os mandantes máximos. No caso da Argentina, a presidente é o que há de pior possível. A política populista que eles vivem contamina tudo, principalmente princípios sociais. Os reflexos são imediatos nos números de mortes violentas, seja por assassinatos ou no trânsito. Quando o discurso é “viva o coitadinho”, típico de populistas, grupos sociais considerados desprotegidos ou marginais, como ciclistas, acabam negando valores de boa convivência e buscando formas de sobrevivência social nos termos de eu, desprotegido, contra ‘eles’... Acontece em todas partes do mundo, mas provavelmente deve ser mais dramático (esta é a palavra) na Argentina. “Gardel canta cada dia melhor!”

Segurança no trânsito requer autoridade com legitimidade, sem exceção. E populismo é tudo menos autoridade. O resultado se vê lá e cá.

 No final da matéria que mandou tem a seguinte pérola:  O código de trânsito da cidade de São Paulo prevê punição aos ciclistas que não tenham os equipamentos obrigatórios, além de multa e perda de 4 pontos na carteira do motorista para quem ultrapassar a distância de 1,5 metro ao passar ou ultrapassar uma bicicleta.

Esta linda pérola aponta para um jornalismo mal informado, pelo menos no que diz respeito a São Paulo. A lei é federal e não é exatamente assim.

É muito provável que BsAs resolva esta questão muito antes de São Paulo, até por que o porteño ama sua cidade, a respeita, se sente parte dela, quer vê-la bem. Eu não digo o mesmo do paulistano

Posso publicar nossa conversa no Escola de Bicicleta Correio Blogspot?

Arturo Alcorta
Escola de Bicicleta
www.escoladebicicleta.com.br
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Veja que impressionante o crescimento do uso da bicicleta em Buenos Aires
http://www.lanacion.com.ar/1585626-crece-el-uso-de-la-bicicleta-como-medio-de-transporte 

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