terça-feira, 26 de setembro de 2023

Violência, assaltos: com que bicicleta eu vou?

Escrevo estas linhas um pouco antes de sair aproveitando para pensar onde vou e com que bicicleta. Dúvida trivial? Seria, se a razão não fosse a preocupação com roubos e assaltos, algo que em nossa vida brasileira definitivamente não pode ser colocado em segundo plano e muito menos descartado. Eu preciso parar um pouco com o trabalho e esfriar a cabeça, quero sair para pedalar na ciclovia do rio Pinheiros entre a ponte Cidade Jardim e a do Socorro, trecho mais conhecido como Faixa de Gaza por razões óbvias. Depois da privatização está muito mais segura, mas mesmo assim a memória dos inúmeros relatos de assaltos ainda assusta.

Os assaltos pela cidade não param e de um tempo para cá pioraram não faço ideia qual a razão, muitos com violência sem sentido. Atirar pelo atirar? Não faz sentido. O mar não está para peixe. Tenho menos medo do assalto em si do que perder um dos meus amores, leia-se com certeza "bicicletas". Tenho até uma que chamo de "bicicleta de poste" que uso quando tenho que ir em algum lugar, tipo avenida Paulista, o ícone de São Paulo, onde roubo é ocorrência trivial, pior, o povo acha normal. Como assim? Roubam qualquer coisa, todo mundo sabe, ninguém faz nada.

Roubo de bicicleta é ocorrência comum em praticamente todas grandes cidades do mundo e não se engane, boa parte de seus proprietários fica chateado com o roubo, mas acha normal, não dá queixa na polícia, simplesmente compra outra para substituir. Como assim normal? Até onde sei, Amsterdam é a campeã mundial do roubo de bicicleta, com números impressionantes que já chegaram a mais de uma bicicleta roubada a cada seis. Normal? O povo de lá ri. 
O que não acontece é ter um cano no meio da testa. Em qualquer país minimamente civilizado assalto a mão armada é considerado absolutamente inaceitável, algo que quando acontece, mui raramente, é levado muito a sério pelas autoridades e polícia. A diferença deles para nós é que a reação social quando qualquer um cruza certos limites é rápida e dura, e medidas enérgicas são imediatamente cobradas das autoridades. Aqui virou conversa de botequim. Um brinde!

Um europeu não consegue entender ou acha que é mentira que aqui assaltantes armados param todo um pelotão, mandam os ciclistas correrem para o mato, colocam todas bicicletas numa vã ou caminhão e somem. Se você seguir contando e disser que as bicicletas caríssimas, especiais, numeradas, exclusivas, praticamente únicas, nunca mais são vistas, que a polícia não faz nada, melhor, que a polícia não consegue ir atrás, o europeu vai começar a achar que você é maluco. Agora, se quiser pirar o já assustado europeu que te ouve, conte que algumas destas bicicletas vão voltar a circular pelas ciclovias, ruas e avenidas compradas por ciclistas desavisados ou de má fé, e que o antigo proprietário, aquele que foi assaltado, se encontrar, em muitos casos vai olhar, reconhecer a bicicleta e calar a boca para não piorar mais; simples assim. O medo impera: deixa a bicicleta, quero voltar inteiro para casa.

Estou cansado de me perguntarem porque não tenho bicicleta melhor do que as minhas. Primeiro pelo amor que tenho a cada uma delas, e depois porque quero pedalar, me sentir livre, ir para onde quiser e voltar com a bicicleta para casa. Adoraria ter uma bicicleta de última geração, adoraria diminuir peso de minhas bicicletas, colocar um par de rodas com pneus muito leves, que faz uma bruta diferença, mas não dá. Os assaltantes conhecem.

Saí com um grupo de pedal noturno. Um participante mostrou com orgulho seu "celular para o ladrão". O que é isto? É celular baratinho para em caso de assalto. O feliz proprietário já foi assaltado sei lá quantas vezes. Do celular para o ladrão passamos a conversar sobre as bicicletas para os ladrões e o perigo que está sendo sair para pedalar à noite em grupo. Os relatos de assaltos, uns até violentos, são numerosos e de fonte confiável. Alguém fez B.O.? Que eu saiba não. Não dá para culpar a polícia.

Tem quem diga que as bicicletas mais caras são "exportadas", retiradas do país. Já ouvi mais de uma vez até de gente que trabalha no mercado de bicicletas. Não duvido. Se tiram carros e motos, por que não vão tirar bicicletas que são bem menores de uma moto?

Debaixo do movimento central tem o número de série da bicicleta. Fotografe. Você só vai poder fazer B.O. se tiver este número e de preferência a nota fiscal. Ter fotos da bicicleta e conhecer seus detalhes é crucial. Assinatura gravada no canote de selim é uma ótima dica. 
O que não pode é não fazer B.O. Este é o verdadeiro crime.

Ontem tive uma breve conversa com um investigador que trabalhou nos Jardins e no Brooklin. Tem muita classe AA que pedala com bicicletas caras nos Jardins. No Brooklin tem uma favela na avenida Roberto Marinho, a beira da Ciclo Faixa de Domingo, onde nas proximidades aconteceram vários assaltos a ciclistas. Perguntei ao investigador sobre quantos fazem B.O. e em quantos casos a polícia vai investigar. De cara ele disse que vão entrando os B.O.s e por ordem de entrada se vai investigando, a não ser que entre um caso que mereça prioridade. Quanto às bicicletas roubadas ou assaltadas, ele só lembrou de um caso em que o ciclista foi registrar a ocorrência inclusive por que levaram tudo, bicicleta, celular, cartões, isto nos Jardins. No Brooklin ele nunca soube de uma ocorrência e ficou espantado quando contei sobre o problema recorrente nas proximidades da favela. Acredito que mesmo na av. Paulista haja uma sensível subnotificação de ocorrências. 
Repito: não fazer B.O. é um crime, de uma estupidez sem tamanho. É jogar uma bola de neve morro abaixo. Bicicleta roubada parece besteira, mas em todos países virou prioridade para o controle da violência maior. 

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