segunda-feira, 13 de julho de 2015

Casar, ter filhos: dá para viver só com bicicleta?

Nome: V.
Cidade: Brasília
UF: DF
Mensagem: Olá! Estou estudando a possibilidade de uma vida sem carro. Acho interessante e legal a ideia! Ainda vou casar em breve e pretendo ter uma família. Quero perguntar a quem quer que tenha alguma experiência no assunto, pois sei que é sempre mais fácil viver de bike quando se está só hehe. A primeira coisa que vem à nossa cabeça quando pensamos em viver sem um carro é ir ao supermercado e levar os filhos aos lugares. Também penso que tenho um certo receio de andar por alguns lugares em Brasília a noite e o carro daria uma certa segurança. Tenho vontade de ir ao trabalho todos os dias de bike, por exemplo, levaria uns 50 minutos, mas não me importo... A questão é voltar no período da noite!!! Passar pelo centro de Brasília e tudo mais, principalmente sendo mulher. E mesmo que ande de ônibus... se precisar ir a Taguatinga 11 horas da noite de ônibus, ainda me da um pouco de medo também. Acho que um carro pode ser um conforto, mas sei que é um falso conforto quando se pensa no trânsito (embora os ônibus não fujam muito dessa realidade), nos custos, na manutenção... eu não vejo necessidade de ter um carro agora. Mas o que penso é numa vida em família... gosto da ideia de levar os filhos na escola de bicicleta! Mas e quando chove e é preciso trazer a bike de volta? E quando há greve de ônibus? Sei que muitas pessoas criam suas famílias sem carro... quero saber se alguém aqui faz isso por ideologia e se pode compartilhar suas experiências! Agradeço desde já.
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V.
bom dia

Quantas perguntas... Ótimo, mas por partes.
Parabéns pelo casamento e a futura família.
O filho suponho que venha para frente, portanto ainda tem tempo para ver ao certo como vão funcionar as coisas. Enquanto não tem filho é mais fácil experimentar, de preferência usando a bicicleta para distâncias mais curtas. Não faça o erro clássico de no primeiro dia pegar a bicicleta e feliz da vida ir até Maracangalha visitar Anália achando que é muito divertido, porque não vai ser no dia seguinte. Tem que começar aos poucos.
Você terá que usar carro nos dois primeiros anos do bebe. Por diversas razões, principalmente pela saúde do bebe. Dá para ir de bicicleta neste período? Dá, inúmeras mães de bebes Brasil afora provam que dá, mas neste caso carro é melhor que bicicleta e ônibus para o bebê.
E ai caímos numa questão importante: não é o carro ou bicicleta ou ônibus, mas o que é mais apropriado para cada situação. Holanda é um dos países com maior índice de ciclistas assim como é um dos com maior índice de veículos por habitante, uso de transporte público por habitante... taxi.... Tem que ver o que é possível dentro da área onde você mora, o que tem por perto, o que precisa de transporte, que tipo de transporte....

Ir ao supermercado não é problema, basta investir um pouco num bagageiro e alforjes ou numa caixa plástica resistente com uma madeira por baixo que você prende no bagageiro. Eu acho o alforje melhor. É assim no mundo inteiro. Enfim, pequenas compras vão muito bem em bicicleta. A bicicleta é mais versátil que parece, basta saber usá-la. Vai ter que aprender a transportar as compras, equilibrando as coisas na bicicleta, colocando o inquebrável em baixo e o mais delicado por cima de tudo, algumas coisas mais protegidas em caixas ou enroladas... Enfim, tem uma técnica que depois passo para você.

Faça as contas no papel: quanto custa o carro por mês e ano. Você vai ficar um pouco assustada, mas tem que ver o custo/benefício para a situação e momento que está vivendo. Eu tinha carro, tive um pt (perda total, carro estacionado foi esmagado) e hoje descobri que alugar é muito vantajoso “para a minha forma de vida e número de vezes que tenho que usar um carro”. Como vai casar aproveita e faz as contas junto com o futuro companheiro. Não deixe de incluir seguro nas contas. Apostar que não vai acontecer nada é burrice. Perdi meu carro exatamente no momento que ia vender e por isto deixei sem seguro. O resultado é que perdi tudo, o prejuízo foi grande, maior que só a perda do valor do carro.

Segurança: A bicicleta tem uma imensa vantagem sobre o carro: você não sofre sequestro relâmpago. Normalmente a bicicleta é muito mais segura que o carro por que o ciclista é muito menos visível. Basta não estar pedalando uma bicicleta muito atrativa e toda bonitinha que a chance de ser assaltada diminui muito, praticamente zera. Eu sou homem e tenho medo mesmo é de circular dentro de um carro. E fico receoso quando mulher e minhas amigas saem circulando a noite de carro. Se sair vestida de menina linda a chance de ser assaltada é maior. Se der uma enfeiada antes de sair do trabalho vai chamar menos a atenção. Dependendo de onde tenho que ir vou mal vestido para ficar o mais discreto possível.
O segredo para ir em bicicleta é saber onde os bandidos ficam (não vou fazer piada política sobre Brasília por que é piada pronta) e evitar passar por lá. Bandido vai ficar onde o produto do roubo está disponível, fácil, por isto escolhe alguns pontos.
Se você tem carro precisa ver como está o mercado e se vale a pena vender agora. Se não tem também tem que ver como está o mercado, que está melhorando para compra, mas como a crise ainda vai piorar provavelmente no futuro a compra de carros deva ficar melhor ainda. Outro segredo é antes de comprar o carro conversar com seguradora para saber que modelos dão mais problema, são mais roubados, qual cor é melhor...

Existem capas de chuva que protegem quase que completamente o ciclista. Crianças em várias partes do Brasil, principalmente no litoral – vão e voltam da escola em bicicleta, faça chuva, faça sol. Na Europa vão com qualquer tempo, incluindo tempos gelados, com chuva, neve, vento. Eu acho ótimo por que a criança aprende a sentir o que é a vida normal. Carro é muito protetivo, a criança fica muito protegida do clima, dos ventos, dos cheiros, das pessoas... Bicicleta educa para a vida real. Meus netos quando vão adoram, mas aqui em São Paulo nem sempre é possível.

Cinquenta minutos pedalando todos dias...? Cinquenta de ida e cinquenta de volta? Bastante. Você está fazendo o cálculo de 50 minutos para que distância? Que velocidade média? Se está comparando com o pessoal treinado e mais radical eu recomendaria que revise seus cálculos. Pense numa média de 15 km/h, não mais. Acima disto começa a ser pesado.
O ideal para a bicicleta são distâncias menores, até uns 6 km, uns 30 minutos. Dá para ir mais longe? Dá, mas não é o ideal. O que você pode pensar é fazer um intermodal ou com transporte coletivo ou indo até a casa de alguém e pegando carona.
Ainda nos 50 minutos de pedal, dependendo do trânsito que sua área tenha você provavelmente irá mais rápido, mesmo assim acho bastante.

Sou contra fazer qualquer coisa por ideologia. A vida tem que ser levada em cima da sensatez, das contas, de decisões sobre o que é melhor e mais sensato naquela determinada situação. Infelizmente o Brasil foi dividido entre o que é bom e o que é ruim e deixamos de ver o que está entre estes dois polos. Dá pra mudar, dá para melhorar, dá para fazer tudo de maneira racional, econômica, sensata, e a bicicleta pode ajudar muito neste processo, desde que seja usada com sabedoria.
Pense sempre qualidade. Ideologias forçam a barra e por isto não atingem seus próprios objetivos

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mensagem de: U. Rodrigues, mora em Brasília, é casado, pai, ciclista consciente, e a quem pedi ajuda.

Olá Viviane
Começar aos poucos, sentir a bicicleta, ver as melhores rotas. Posso contribuir com dicas da cidade. Moro há quase 10 anos em Brasília e morei outros quase 10 em Sampa, onde larguei o carro e comecei a usar a bicicleta diariamente. Em casa não temos carro por opção e todos usamos bicicleta, inclusive a esposa e os dois filhos pequenos. Faça sol, faça chuva. Minha esposa usa uma dobrável com um baú acoplado, onde ela leva as tralhas e o kit com capa de chuva e calça impermeável.
Essa sensação de segurança no carro é ilusória. Um bem muito mais chamativo e onde se está mais vulnerável. De bicicleta dá para seguir sem ostentação, de forma mais segura. Precisaria saber onde você mora (ou pretende morar) e qual será seu destino no dia a dia. Uma vantagem no DF é poder embarcar com a bicicleta no metrô. Já morei em Águas Claras e fazia um trajeto mais longo, numa via um bocado insegura (EPTG), que não recomendaria para iniciantes. Quando voltava à noite muitas vezes fazia a integração bicicleta-metrô. Atualmente moro na região central e os deslocamentos são menores (até uns 8 km por trecho).
Particularmente fiz a opção pela bicicleta e continuo convicto por várias razões, inclusive ideológica. Mas os principais são: praticidade (para circular e estacionar), liberdade/autonomia (independente do horário em que você sair de bicicleta, não pegará congestionamento) e a atividade física (academia no trajeto ao trabalho, aonde se chega muito bem disposto).
A economia também é algo a se destacar, obviamente: gasto zero com combustível, IPVA e seguro, sem contar eventuais multas que poderiam chegar. E gasto com manutenção é bem reduzido: muitos pequenos reparos na bicicleta você mesma pode fazer em casa, e uma boa revisão trimestral ou semestral (a depender da frequência de uso) não te custará mais de 70 reais.
Sempre faço registros das pedaladas e já fiz um documentário sobre o uso de bicicleta com muitas imagens e personagens de Brasília. Envio, então, dois links que podem te ajudar a ficar mais motivada:

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