segunda-feira, 28 de março de 2011

entrevista - O futuro da bicicleta no Brasil

- O uso de bicicletas como meio de transporte vem crescendo ou decrescendo no Brasil? Quais fatores vêm determinando essa tendência?
Por razões estranhas à nossa vontade e aos interesses do país o IBGE não vem levantando questão das bicicletas no Brasil, mesmo assim os números relativos a vendas de bicicletas e acessórios e os disponíveis em várias cidades mostra que o número de ciclistas está crescendo, principalmente em cidades onde o transporte de massa vem apresentando uma piora na qualidade do serviço, preço alto, falta de pontualidade e ou lentidão. Com relação ao aumento de interesse da classe média pela bicicleta não só para lazer, mas também no seu uso como modo de transporte, a razão principal são os congestionamentos a cada dia mais intensos e a busca da recuperação da qualidade de vida, em constante degradação.

- Como as bicicletas poderiam ajudar a resolver problemas de mobilidade urbana? 
De várias formas. Quando se olha com atenção e interesse os números produzidos pelo uso intensivo da bicicleta em qualquer cidade, em qualquer parte do mundo, fica claro que pedalar causa mudanças não só na vida do ciclista, como também na comunidade por onde ela transita, principalmente no interno dos bairros.
Bicicleta é coisa de país rico, social e economicamente equilibrado, com os melhores índices de IDH do planeta, com as melhores cidades para se viver. Países Baixos e Nórdicos há muito têm a bicicleta como política de estado porque conhecem bem os benefícios que a bicicleta traz. Bicicleta ajuda muito na transformação social e urbana.
No caso de localidades de baixo IDH e mesmo onde a pobreza impera, a bicicleta oferece ao individuo liberdade de mobilidade pessoal, de trabalho, para os estudos, para compras...
Bicicleta usa pouco espaço público, que hoje é escasso, se move numa escala humana, fortalece os vínculos sociais; fortalece o comércio de bairro, o que gera empregos; diminui a violência; melhora o relacionamento familiar, o rendimento escolar dos filhos, o rendimento dos pais no trabalho... Em bairros mais abastados a bicicleta serve para acalmar o trânsito, portanto humanizar, o que melhora muito a condição para pedestres, pessoas com deficiência, crianças, idosos, enfim, para todos (dados Comunidade Européia; ASCOBIKE - bicicletário CPTM Mauá, SP)

- A indústria automobilística vem comemorando recordes em cima de recordes de vendas. Como estimular o uso de bicicletas nesse cenário que parece estimular apenas a venda de carros?
Que Brasil novo se vai construir com estes recordes de vendas da indústria automobilística? A indústria automobilística está dando tiros no pé e não se dá conta. A bicicleta não precisa de estímulo para crescer porque o erro crasso da política desta última década, com seu populismo voltado à venda de carros, está rapidamente transformando a vida do próprio motorista um tormento. Não houve e não há uma política voltada ao transporte de massa, a organização da função de cada modo de transporte, das mobilidades. Holanda tem um alto percentual de veículos por habitante, mas a questão das mobilidades está bem equacionada. O mesmo em qualquer cidade ou país onde a população sabe o que é uma cidade e porque e para que serve cada transporte.  
O que está acontecendo aqui em São Paulo é sintomático. Cada dia mais e mais ciclistas saem às ruas até porque descobriram que carro parado em congestionamento não atropela. Em horário de pico a eficiência da bicicleta chega a ser assustadora quando comparada a do carro. A velocidade de um ciclista médio é de 17km/h, independente do trânsito. Num carro ninguém mais sabe se vai demorar 5 ou 50 minutos numa viagem.

- Oferecer equipamentos como ciclovias é o primeiro passo para estimular o uso de bicicletas para meio de transporte? O que mais é necessário?
Ciclovias não necessariamente são seguras para o ciclista. Ciclovias, quando mal projetadas causam acidentes, o que é muito mais comum que se possa imaginar. É difícil sair números a respeito porque normalmente a ciclovia é desejo político e o conceito ainda é muito bem visto pela população em geral.
O que é necessário é muito mais que uma ciclovia. Antes de qualquer coisa é necessário inteligência no olhar para a cidade, entender o que acontece com neutralidade e respeito por todos, ciclistas, motoristas, motociclistas, principalmente pedestres e pessoas com deficiência. É preciso conhecer a bicicleta em si, o ciclista médio, a massa de ciclistas da demanda reprimida; o meio da bicicleta, sua realidade, o serviço que ao ciclista é oferecido; as distorções, as causas destas. É necessário não ter uma visão obtusa e entender que o ciclista está inserido num todo, urbano e humano. Não se pode pender para um lado, o que é fato freqüente. Não se pode fazer projeto de prancheta. Não se pode ter medo de inovar, de arriscar, de buscar soluções, de contrariar, de sonhar com um futuro melhor. Um sistema cicloviário, que é a forma de se colocar a questão da bicicleta em qualquer cidade, tem que incluir toda e qualquer técnica que ajude na melhora do conforto, segurança e prazer do ciclista, de forma a refletir na melhora da qualidade de vida de todos.

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