sábado, 14 de outubro de 2023

Irritado com a 29

"Americanos usam capacete. Holandeses pedalam" escrito num cartaz pendurado numa locadora em Amsterdam é mais que uma imagem que não sai da minha cabeça. Não diz só respeito ao uso do capacete em si, mas a imensa diferença na forma como holandeses e americanos, e porque não dizer europeus e americanos, vêm, pensam e usam a bicicleta; aliás, a vida em seu todo.

A 29 é um produto americano, nada mais que um pneu 2.1 vestido num aro 700 tipicamente europeu, que acabou dando nome a toda uma geração nova de bicicletas. A saber, o diâmetro total da roda é 29 polegadas.

Preciso de pneus novos para minha 26. O mercado tem? Tem, mas em bicicletaria boa, onde se encontra qualidade, nicas. Se encontrar, se tiver muita sorte, só 26 populares, que rodam pesado e tem pouca durabilidade, quando tem. Nunca um pneu digno, como os que tenho faz muito rodando em minhas outras 26, chegou na lona tão rapidamente. 
Pneu com opções de desenho de banda de rodagem? Praticamente não há mais, nem entre os 29. Chegamos ao "é o que tem", e ponto final. Não faz muito haviam inúmeras opções, para todo tipo de uso. Acabou. E agora gasta rápido. Meio ambiente? Que se dane!

Já fui a várias boas bicicletarias e eles, obviamente, só tem para as 29. Aliás, tudo é para 29, todas as bicicletas são 29, só se fala em 29. Eles até sabem o que é uma 26, alguns olham saudosamente para a bicicleta, outros só faltam cuspir em cima, e respondem como você fosse com um homem das cavernas ou um retardado. "Não conheço quem ainda trabalhe com 26" resposta trivial. O conselho de todos é sempre o mesmo: internet. Até aí o homem das cavernas, o retardado vai, mas... e se eu não quiser comprar as cegas, se quiser ver, tocar, examinar antes de comprar?

As 29 são produto americano, com a filosofia americana. Nada contra americanos, muitíssimo pelo contrário, e nada contra as 29, que são maravilhosas... para o uso que foram criadas: mtb. Quando falo em 26 também estou falando de um modelo que originalmente foi criado para mtb e acabou sendo usada para tudo, sei disto. 

Meu ponto é outro, é o estrangulamento das opções para o ciclista, o impor produtos novos para segurar as vendas, o obrigar a trocar a sua 26 por uma 29 no berro, na imposição, no ou troca ou troca. Obsolescência programada, que nojo! Aí estou com o europeu que tem outra postura; o que existe deve ser usado por mais tempo possível, e tendo uma boa relação com a função por que mudá-la, por que descartá-la? Na Europa as bicicletarias são bicicletarias, não uma boutique chique para vender o produto da moda. Óbvio que também se pode ter alguma dificuldade de encontrar alguma peça específica, mas não como aqui. E faço justiça aos americanos, onde tem de tudo para todo tipo de usuário ou consumidor. Lá a resposta dos atendentes vai ser: querendo, conseguimos, estará aqui dentro de tantos dias, poucos.

Entendo o porquê do pessoal gostar tanto das 29, mas tenho certeza que além das características do rodar há muito de moda e status nesta preferência. Rodas maiores passam melhor sobre irregularidades, tem melhor estabilidade direcional e reações mais lentas, ótimo para a maioria dos ciclistas comuns. Uma 26 é um pouco mais arisca, acelera mais rápido e sobe um pouco melhor. A diferença entre as duas é pequena. Fato é que as mtb 26 mudaram a história do uso da bicicleta, então não devem ser tão ruins assim para ser descartadas por uma 29. 

Tenho uma boa 29, com bons pneus, mas que furam com mais facilidade porque tem bem menos borracha que os pneus das 26, uma questão de peso. Dá para colocar um pneu mais borrachudo na 29? Dá, mas é um crime, aumenta o peso da roda, o que faz bastante diferença em todo comportamento da bicicleta, principalmente no acelerar e manter a velocidade.  
Enfim, minha bicicleta é uma 26 2.1 ou 1.5, ou uma 700 / 42 urbana tipicamente europeia que os americanos apelidaram de híbrida. É o que se encaixa no meu pedalar, onde me sinto confortável. Me encaixo melhor que no pedalar a 29, simples assim, um direito meu, ou não é? O mercado vem dizendo que não é minha opção, que quem manda são eles. Discordo.

Outro ponto: é ridículo, mas os ladrões dão muito mais atenção para as 29 do que para as 26. Fico com a 26, eu quero ir onde quiser, me sentir livre, ter menos preocupação. E furar  menos pneu. Eu só quero pedalar, posso, ou tenho que estar numa 29? 

O distinto cavalo da foto olhou para mim cara e reagiu: "Este eu não levo!" Se até o cavalo pode ter suas manias, porque eu não posso?


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