O que você busca, status ou fazer o que deve ser feito?
A diferença é grande e extrapola e muito a questão filosófica. No fundo é uma questão de auto respeito.
A ver:
- as melhores bicicletas são fabricadas com cuidados aos mínimos detalhes
- os melhores ciclistas são o resultado de cuidados com mínimos detalhes
- os melhores resultados via de regra são resultado de uma somatória de detalhes bem cuidados
Como todo esporte (ou atividade física) a melhor forma de tirar proveito é ter conhecimento do que está fazendo e fazer direito. O desejo de todos é ter sucesso e sucesso só vem com disciplina e o cuidado consequente nos detalhes. Nada melhor que chegar em casa com o sentimento de dever cumprido, de preferência e muito melhor se for bem feito.
Status é uma outra coisa, pelo menos nos dias de hoje. Virou um "sabe com quem está falando?"
Nada contra status, a partir do ponto que o status não seja prejudicial para o indivíduo assim como para o coletivo.
Adoro uma frase que vi num cartaz numa bicicletaria em Amsterdam: Americanos usam capacete; nós (holandeses) pedalamos. Não é o que o ciclista tem, mas o que e como ele pedala. É a cultura aplicada.
Ciclismo é uma cultura que como qualquer outra precisa ser aprendida. Óbvio que dá para sair pedalando e que isto é um tesão, mas não é ciclismo, é pedalar, o que até uma criança sabe. Se quiser pedalar com qualidade e segurança precisa se informar e fazer as coisas certas, o que não tem a ver necessariamente com seguir a boiada ou mostrar seu status e sua capacidade de comprar o que quer que seja.
Estamos numa fase de transição onde um montão de gente está descobrindo a bicicleta. Com o tempo este pessoal vai aprender a pedalar melhor evitando erros básicos.
A menina vinha bufando na subida. Seu pai a havia deixado para trás. Mesmo com marchas para engatar ela pedalava só usando as forças das pernas que já tinham praticamente terminado naquele meio de subida. O ciclista que descia a viu e orientou "aperta com o dedão o botão grande na mão direita" e ela o fez, abriu um sorriso de cair os dentes e terminou a subida. O pai estava parado na esquina de cima, cara emburrada, não acreditou quando viu a filha terminar a subida sorrindo.
Montado numa bicicleta de triathlon muito cara e pedalando numa cadência baixíssima o ciclista estava morto e irritado porque não conseguia acompanhar os amigos. Passou por ele um garoto pedalando uma tranqueira que provavelmente foi encontrada numa caçamba; passou e foi embora. Os amigos um pouco mais a frente pedalando devagar para não perdê-lo riram e ele ficou mais bravo ainda. "Gira mais" gritou um no que ele respondeu "Eu gosto de pedalar assim".
Pedalei atrás de um casal que pedalava forte, mas os dois mexiam o corpo todo ao pedalar. Não é legal para a lombar e para a bacia. Emparelhei com o marido e perguntei se podia dar uma dica. Elogiei a força que tinham e falei para pedalarem só com as pernas para não desperdiçar energia. Por incrível que pareça ele ouviu e agradeceu, mas os dois continuaram ao ritmo de escola de samba na avenida.
Ouvi o aviso gentil "Vou passar" e puxei suavemente a bicicleta para a direita. Tomei um susto quando o ciclista, um gordinho lá pelos seus 50 anos todo paramentado pedalando uma "road bike" relativamente cara passou pela direita tendo todo espaço do mundo à esquerda livre; e ainda olhou com cara feia pela 'fechada' que involuntariamente dei. Ele se foi, sumiu, um caminhão manobrou e ficamos juntos de novo. Falei sobre a tradicional cortesia do ciclismo de estrada de sempre ultrapassar pela esquerda, o sujeito me olhou de alto a baixo com desprezo. Os dois poderíamos ter ido para o chão caso eu tivesse feito um movimento brusco para a direita. Aliás, todo e qualquer veículo deve fazer a ultrapassagem pela esquerda, nunca pela direita, incluindo aí ciclismo.
Ouvi dois ciclistas um pouco mais velhos que o de 50 que me ultrapassou pela direita se aproximarem pedalando lado a lado. Foram chegando devagarzinho e em vez de ultrapassarem, emparelharam e ali ficaram como se eu não existisse. A conversa entre eles estava boa e não perceberam quando me apertaram feio contra a grade. Sem falar palavra diminui meu ritmo, passei por trás, e por segurança os ultrapassei. Como se os tivesse desafiado fui ultrapassado de novo, lentamente, não se distanciaram. O que dizer? Para ter segurança é preciso pedalar pensando na segurança do próximo. Chama-se cortesia, mas se pode chamar também de bom senso.
O pai segue a criança pequena que vem pedalando uma aro 16 na ciclovia olhando para trás para ver onde o pai está. De longe é possível ver que a criança uma hora fica na mão, outra vem para a contramão. O pai não está nem aí. Quando chego perto de cruzar com a criança diminuo bem a velocidade e já em cima sou obrigado a quase parar a bicicleta. Um grupo de ciclistas que vem atrás de mim não percebe a situação, um bate na minha roda traseira, outro escapa pelo gramado a direita e o terceiro passa raspando meu guidão para não derrubar a criança. O pai não fala nada nem para o filho nem para o ciclista que vinha muito rápido. O que bateu na minha traseira grita comigo "Porra! Não sabe pedalar?"
O resultado está nos detalhes.
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