terça-feira, 26 de setembro de 2023

Violência, assaltos: com que bicicleta eu vou?

Escrevo estas linhas um pouco antes de sair aproveitando para pensar onde vou e com que bicicleta. Dúvida trivial? Seria, se a razão não fosse a preocupação com roubos e assaltos, algo que em nossa vida brasileira definitivamente não pode ser colocado em segundo plano e muito menos descartado. Eu preciso parar um pouco com o trabalho e esfriar a cabeça, quero sair para pedalar na ciclovia do rio Pinheiros entre a ponte Cidade Jardim e a do Socorro, trecho mais conhecido como Faixa de Gaza por razões óbvias. Depois da privatização está muito mais segura, mas mesmo assim a memória dos inúmeros relatos de assaltos ainda assusta.

Os assaltos pela cidade não param e de um tempo para cá pioraram não faço ideia qual a razão, muitos com violência sem sentido. Atirar pelo atirar? Não faz sentido. O mar não está para peixe. Tenho menos medo do assalto em si do que perder um dos meus amores, leia-se com certeza "bicicletas". Tenho até uma que chamo de "bicicleta de poste" que uso quando tenho que ir em algum lugar, tipo avenida Paulista, o ícone de São Paulo, onde roubo é ocorrência trivial, pior, o povo acha normal. Como assim? Roubam qualquer coisa, todo mundo sabe, ninguém faz nada.

Roubo de bicicleta é ocorrência comum em praticamente todas grandes cidades do mundo e não se engane, boa parte de seus proprietários fica chateado com o roubo, mas acha normal, não dá queixa na polícia, simplesmente compra outra para substituir. Como assim normal? Até onde sei, Amsterdam é a campeã mundial do roubo de bicicleta, com números impressionantes que já chegaram a mais de uma bicicleta roubada a cada seis. Normal? O povo de lá ri. 
O que não acontece é ter um cano no meio da testa. Em qualquer país minimamente civilizado assalto a mão armada é considerado absolutamente inaceitável, algo que quando acontece, mui raramente, é levado muito a sério pelas autoridades e polícia. A diferença deles para nós é que a reação social quando qualquer um cruza certos limites é rápida e dura, e medidas enérgicas são imediatamente cobradas das autoridades. Aqui virou conversa de botequim. Um brinde!

Um europeu não consegue entender ou acha que é mentira que aqui assaltantes armados param todo um pelotão, mandam os ciclistas correrem para o mato, colocam todas bicicletas numa vã ou caminhão e somem. Se você seguir contando e disser que as bicicletas caríssimas, especiais, numeradas, exclusivas, praticamente únicas, nunca mais são vistas, que a polícia não faz nada, melhor, que a polícia não consegue ir atrás, o europeu vai começar a achar que você é maluco. Agora, se quiser pirar o já assustado europeu que te ouve, conte que algumas destas bicicletas vão voltar a circular pelas ciclovias, ruas e avenidas compradas por ciclistas desavisados ou de má fé, e que o antigo proprietário, aquele que foi assaltado, se encontrar, em muitos casos vai olhar, reconhecer a bicicleta e calar a boca para não piorar mais; simples assim. O medo impera: deixa a bicicleta, quero voltar inteiro para casa.

Estou cansado de me perguntarem porque não tenho bicicleta melhor do que as minhas. Primeiro pelo amor que tenho a cada uma delas, e depois porque quero pedalar, me sentir livre, ir para onde quiser e voltar com a bicicleta para casa. Adoraria ter uma bicicleta de última geração, adoraria diminuir peso de minhas bicicletas, colocar um par de rodas com pneus muito leves, que faz uma bruta diferença, mas não dá. Os assaltantes conhecem.

Saí com um grupo de pedal noturno. Um participante mostrou com orgulho seu "celular para o ladrão". O que é isto? É celular baratinho para em caso de assalto. O feliz proprietário já foi assaltado sei lá quantas vezes. Do celular para o ladrão passamos a conversar sobre as bicicletas para os ladrões e o perigo que está sendo sair para pedalar à noite em grupo. Os relatos de assaltos, uns até violentos, são numerosos e de fonte confiável. Alguém fez B.O.? Que eu saiba não. Não dá para culpar a polícia.

Tem quem diga que as bicicletas mais caras são "exportadas", retiradas do país. Já ouvi mais de uma vez até de gente que trabalha no mercado de bicicletas. Não duvido. Se tiram carros e motos, por que não vão tirar bicicletas que são bem menores de uma moto?

Debaixo do movimento central tem o número de série da bicicleta. Fotografe. Você só vai poder fazer B.O. se tiver este número e de preferência a nota fiscal. Ter fotos da bicicleta e conhecer seus detalhes é crucial. Assinatura gravada no canote de selim é uma ótima dica. 
O que não pode é não fazer B.O. Este é o verdadeiro crime.

Ontem tive uma breve conversa com um investigador que trabalhou nos Jardins e no Brooklin. Tem muita classe AA que pedala com bicicletas caras nos Jardins. No Brooklin tem uma favela na avenida Roberto Marinho, a beira da Ciclo Faixa de Domingo, onde nas proximidades aconteceram vários assaltos a ciclistas. Perguntei ao investigador sobre quantos fazem B.O. e em quantos casos a polícia vai investigar. De cara ele disse que vão entrando os B.O.s e por ordem de entrada se vai investigando, a não ser que entre um caso que mereça prioridade. Quanto às bicicletas roubadas ou assaltadas, ele só lembrou de um caso em que o ciclista foi registrar a ocorrência inclusive por que levaram tudo, bicicleta, celular, cartões, isto nos Jardins. No Brooklin ele nunca soube de uma ocorrência e ficou espantado quando contei sobre o problema recorrente nas proximidades da favela. Acredito que mesmo na av. Paulista haja uma sensível subnotificação de ocorrências. 
Repito: não fazer B.O. é um crime, de uma estupidez sem tamanho. É jogar uma bola de neve morro abaixo. Bicicleta roubada parece besteira, mas em todos países virou prioridade para o controle da violência maior. 

terça-feira, 12 de setembro de 2023

Bicicleta infantil foi entregue desajustada e perigosa

Fórum do Leitor 
O Estado de São Paulo

Bicicleta é, por lei, o CTB, um veículo e como tal tem que fornecer a seu condutor segurança. Em outras palavras, tem que ter qualidade, funcionar perfeitamente e não pode apresentar defeitos, ponto final. Em se tratando de um veículo de duas rodas, portanto de equilíbrio precário, estes princípios têm ser seguidos a risca. Bicicletas infantis deveriam ir além destes preceitos, o que definitivamente não acontece com algumas fabricadas no Brasil.

Um vizinho comprou uma bicicleta para a filha pequena que acaba de deixar as rodinhas e fui chamado para ajudar a fazê-la funcionar. O que vi assustou. A bicicleta foi comprada na Ri Happy, tradicional loja de brinquedos, que entregou um produto que aparentemente estava pronto para ser usado. Até para o pai, mesmo completo leigo sobre o assunto, ficou claro que sua filha corria risco com aquilo. O ajuste da bicicleta mostrou uma série de problemas de qualidade que nunca deveriam existir em qualquer bicicleta, mas acontecem com certa frequência aqui no Brasil. Desde 1992 a americana Specialized Bicycle Components passou a entregar suas bicicletas na caixa pré montadas e ajustadas, praticamente prontas para serem usadas, o que foi feito pela segurança de todo e qualquer ciclista. Não sei como é exatamente a lei sobre bicicletas infantis na Europa, mas afirmo sem qualquer dúvida que absolutamente todas que vi em lojas, até as de departamento, se encontravam em perfeita condição de uso imediato pós venda com uma qualidade impecável. Para os europeus não é simplesmente uma bicicleta infantil, mas parte do processo de educação sobre o que deve ser a vida na cidade e as mobilidades com qualidade e segurança, além do pleno respeito às crianças, o futuro. 
Vão dizer que a bicicleta em questão, como todas vendidas no Brasil, passam pelo crivo e recebem selo do IMETRO, ao que respondo que de boas intenções (?) os P.A., Pronto Atendimento dos hospitais, estão cheios. O P.A. do HC que o diga. Nos fins de semana boa parte dos atendimentos são para crianças, muitas acidentadas em bicicleta. Por que será?

Qual a raiz do problema? A forma de certificação de qualidade exercida no Brasil, muito detalhista e nada realista. Nos Estado Unidos, por exemplo, a bicicleta é " um veículo de rodas, com sistemas de direção, freio e propulsão que sejam seguros, e um selim fixo"; ou seja, a bicicleta deu problema o fabricante e ou a bicicletaria estão fritos. Aqui? Recebeu o selo do IMETRO está OK. Está? 

Aos meus leitores que são pais: com tristeza recomendo que não comprem bicicletas infantis fabricadas no Brasil. É possível encontrar no mercado brasileiro bicicletas infantis distribuídas no mercado americano ou europeu. Mesmo que custem um pouco mais, optem por estas, custam muito menos que tratamento de hospital.

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

Corrente nova: momento para saber como você pedala

Como você gira o pedal? Como está sua cadência? Boa notícia: você vai ter que trocar a corrente.

É quase uma regra, você leva a bicicleta para uma manutenção e vem a notícia, "Sua corrente está muito gasta e estragou o cassete. Tem que trocar toda relação". Upa! Quanto custa? Se não estiver completamente detonado eu não troco por vários motivos. Um deles é que pode ser uma ótima medida de como se está pedalando.

A boa notícia é que na maioria dos casos não é preciso trocar toda a transmissão, basta trocar a corrente e usar um pouco que "a corrente casa com o cassete", como dizem. Nos primeiros km vai pular um pouco se você estiver pedalando errado, dando trancos no pedal. 
A forma correta de pedalar é girar os pedais 360° com o máximo de constância na força aplicada, girando solto. Muitos vão dizer que só é possível usando sapatilha com clipe, o que a ciência prova que não é verdade. Todo ciclista, com ou sem sapatilha, despeja força quando o pedal está descendo, meio como se estivesse subindo uma escada. Diz a lenda que com clipe o ciclista consegue puxar o pedal para cima, portanto a força despejada no pedal é mais uniforme nos 360°. Testes científicos provam que não é bem assim, que entre ciclistas amadores que usam sapatilha o puxar corresponde a menos que 5%, ou seja, quase nada. Os experimentos foram realizados com ciclistas profissionais e os resultados são  muito semelhantes. A diferença para um pedalar correto com um pedal plataforma é muito pequena se o ciclista souber girar os pedais corretamente. 
Girou correto os pedais, estaleceu uma cadência correta, suave, a pressão da corrente sobre a relação vai ser constante, sem trancos, e ela não vai pular. Não pulou? Nota 10! você está pedalando bem.

Tem que ter consciência que vai ficar estranho por uns dias ou kms, que precisa tomar cuidado com o que está fazendo com a bicicleta, que tem pedalar suave, pedalar o mais redondo possível..., enfim, por uns dias você vai ter que pedalar fazendo tudo que define o que é ser um bom ciclista. Vale a pena, é um incrível aprendizado, tomando consciência vira uma incrível avaliação de como você está pedalando. 

A corrente tem vida útil e deve ser trocada de tempos em tempos, melhor, depois de uns tantos km. Dependendo do ciclista a corrente vai durar mais ou menos kms, disto ninguém escapa. É um custo ambiental inevitável, sim custo ambiental. Já ter que trocar o cassete toda vez que troca a corrente só serve ao ganho de mecânicos e entra no que pode chamar de desleixo ambiental, irresponsabilidade com meio ambiente, porque é gerar lixo desnecessário. A relação do cassete não acaba tão rapidamente, dura muito mais que a vida útil uma corrente, se o ciclista pedalar direito dura mais ainda. 

Vamos ficar no aprendizado que se pode tirar do promover o namoro entre uma corrente nova, virgem, e um cassete velho, usado.

Pedalar (correto) é a arte da suavidade. Quão mais correta for a pedalada, mais rende o pedalar, menos energia se usa, mais energia se tem para os momentos necessários ou decisivos. Ajudar no casamento da corrente com o cassete ensina a pedalar despejando força nos pedais gradualmente e sem dar trancos. Fez tudo certinho a corrente nova não pula e vai se ajeitando na transmissão, simples assim. 

Acabei descobrindo quais as marcha que mais uso, e para meu espanto as mais gastas são as duas coroas do meio da relação de 9 marchas do cassete. A quarta marcha é a mais gasta, a que pula fácil. No primeiro dia tive que tomar muito cuidado, no segundo nem tanto, e pelo jeito a corrente vai estar casada mais alguns dias. Como a bicicleta é de segunda mão e foi emprestada para um idiota daqueles que não se preocupam nem um pouco se vão arrebentar tudo (a bicicleta não é minha mesmo!) eu pensei que a relação estava arruinada. Boa notícia, está no limite, mas ainda não precisa ser trocada.

Pedalar com uma corrente que escapa ou pula impõe ao ciclista que pedale prevendo os próximos passos e obriga a manter a calma em todas as situações, em especial no meio do trânsito. Quer saber, é uma ótima experiência. vai deixar claro onde você está abusando da sorte, onde está confiando demais na bicicleta, se você está se achando mais ciclista do que realmente é, fato comum a todos. Ciclista que é ciclista descobre todo dia que não sabe tudo, morre aprendendo. 

Lembro que todos dados provam que a maioria dos acidentes sofridos por ciclistas são responsabilidade direta do ciclista, e que na quase totalidade os ciclistas tiveram alguma responsabilidade sobre o acontecido. 
Direção preventiva é comprovadamente a melhor vacina contra acidentes. Pedalar no namoro entre a corrente e a relação do cassete educa a prevenção. Vai com calma que tudo se ajeita.

Aviso, esta dica tem limites:
1 - experimenta. Não deu certo, a corrente não casa mesmo? Troca o cassete e mantém a corrente nova. Não será uns dias de uso da corrente nova que a arruinará 
2 - há um limite de desgaste da relação. Passado este limite não há outra forma que trocar a relação, ou pelo menos a corrente e cassete. Relação dianteira é muito difícil ter que trocar.
2 - quem pedala numa marcha só geralmente arruína toda relação do cassete e não resta alternativa que não seja trocar, o que é triste tanto pela relação quanto e muito mais pelo maltrato dos joelhos e pernas
3 - relação arruinada é visível, os dentes ficam muito deformados. Se chegou a este ponto é bom reavaliar alguns conceitos sobre sua segurança.

segunda-feira, 4 de setembro de 2023

Lixocletas? Abandonadas!

O IBGE fez a última contagem de bicicletas no Brasil em 1981. Não me lembro mais o número certo de bicicletas no país, mas era muito maior que esperávamos, algo em torno de um terço da frota de veículos circulando. Lembro que as motos não tinham explodido e que bicicleta era de fato coisa de pobre, um bem de primeira ordem para os mais necessitados terem alguma qualidade de vida. Com a bicicleta eles conseguiam comprar comida (geladeira era artigo de luxo), levar os filhos para escola, levar a produção para vender na cidade....  
Em 1990 a ABRACICLO calculava que o Brasil tinha algo em torno de 4 milhões de bicicletas só no Município de São Paulo, praticamente todas sem uso, jogadas nas garagens. Este número foi tirado de um cálculo feito a partir do número de bicicletas vendidas, o número de anos que uma bicicleta durava em média, a venda de pneus e mais alguns outros dados que não me lembro mais. Fato é que a coisa mais trivial era encontrar garagem de edifícios lotadas de bicicletas empoeiradas e enferrujadas, a maioria tranqueira. 
Lembrei de um fato interessante: no último Passeio Ciclístico da Primavera no entorno do Parque Ibirapuera calcularam que apareceram 1 milhão de ciclistas; ou, a distância total percorrida X a largura das avenidas percorridas X o número de ciclistas pelando por área: 1 milhão de ciclistas estimados. Pelo que me lembre a estimativa foi feita pela CET, o mesmo método que usavam para calcular trânsito. O cálculo foi feito porque os ciclistas que saíram na frente estavam chegando e ainda tinha muita gente largando para os 6 ou 7 km de passeio. A loucura foi tanta que decretou aquele ser o último Passeio Ciclístico no entorno do Ibirapuera.
Fato é que o Passeio Ciclístico da Primavera era a festa das bicicletarias que tinham suas oficinas lotadas de bicicletas que saiam uma vez por ano.

Oficialmente em 2005, ou um pouco depois, o número de ciclistas nas ruas que a CET SP contava, se não me falha a memória, algo em torno de 65.000 / dia, foi reavaliado. Recalculado por dois especialistas em vendas, marketing e administração de empresas, usando dados e pesquisas da própria CET, cruzando com dados sobre produção e venda da ABRACICLO, e mais alguns outros disponíveis, chegaram a conclusão que a cidade tinha no mínimo 150.000 / dia e que seria muito possível que tivéssemos mais de 250.000, contando os que eventualmente saiam para pedalar ou que por outras razões eram invisíveis perante as contagens ou mercado, por exemplo trabalhadores que iam ao trabalho de madrugada. O cálculo se provou correto porque numa reunião de trabalho sobre sistemas cicloviários um funcionário graduado da CET SP deixou escapar que na realidade beirava os 350.000. Fato é que a partir de então se começou a trabalhar com os 250.000 ciclistas / dia.

Dado correto mesmo apareceu quando a Secretaria de Esportes e Lazer PMSP fez contagem oficial em alguns fins de semana para dar sustentação legal e política para a criação da Ciclo Faixa de Domingo, que apontou com precisão que em domingo ensolarado São Paulo 1 milhão de ciclistas saiam as ruas. 

E as bicicletas empoeiradas, enferrujadas, largadas e esquecidas nos bicicletários dos edifícios e nas garagens das casas? Continuam lá, aos montes, continuam sendo a maioria, poucas de boa qualidade, a maioria tranqueira, muita "lixocleta" como diz Renata Falzoni, bicicletas que não convidam a pedalar, muito pelo contrário, desestimulam. 

Quando foi aberta a importação em 1990, sem demora começaram a chegar as primeiras bicicletas importadas, a quase totalidade mountain bikes, o que deu um grande impulso para o surgimento de novos ciclistas. Por outro lado, junto com este fenômeno veio o crescimento da venda de bicicletas de baixo custo "parecidas" com uma mountain bike, muitas de baixa e até baixíssima qualidade. 
A bicicleta na foto ao lado está pendurada no relento faz uns 30 anos. É uma montada, provavelmente de 1990, e está bem longe de ser das piores. No mesmo pequeno bicicletário têm outras bem empoeiradas, algumas boas, que saem para a rua muito de vez em quando, quando saem. 

Por que estas bicicletas acabavam abandonadas? Óbvio que basicamente por baixa qualidade: o selim era ruim de sentar e não ficava na posição correta, o canote era fino e entortava, o tamanho da bicicleta único, os freios não funcionavam bem, as marchas, ora as marchas... marchas?... Enfim, o feliz proprietário da bicicleta barata saia pela primeira vez, rodava o dia inteiro, voltava arrebentado, quando não com a bicicleta quebrada, encostava (jogava) a bicicleta em qualquer canto e afirmava com todas as palavras e dentes expostos "Eu nunca mais pedalo. Bicicleta é uma merda!" Opa! como ouvi esta e outras frases piores.

A saber, em 1989 um dos fabricantes médios que chegou a vender muito, tinha uma perda em produção que chegou a 30%, o que é um absurdo completo. O poder público, via órgãos reguladores do Governo Federal, não se interessou e não fez absolutamente nada para frear o disparate, mesmo a bicicleta sendo considerada por lei um veículo, portanto devendo responder a normas claras sobre qualidade.
Outro "pequeno" detalhe sobre estas lixocletas: em 2007 dei uma palestra em Araçatuba para concessionárias de rodovias paulistas, que têm tabulado dados precisos sobre acidentes. De um dos diretores ouvi que em torno de 35% das mortes de ciclistas em acidentes em estradas administradas por eles tinham como causa falha mecânica da bicicleta. Umas semanas depois tive uma reunião com dois dos maiores fabricantes de bicicletas do Brasil, falei sobre o absurdo dos 35%, e tive como resposta "Acho é pouco".
Mais ou menos na mesma época consegui convencer dois técnicos de um órgão de controle de qualidade, tipo PROCON, a ir visitar comigo bicicletarias e oficinas de bicicletas nas periferias, onde estas bicicletas precárias são, melhor, eram regra. Na terceira os dois, olhos arregalados com que tinham visto e o número de peças quebradas no lixo, disseram que não precisavam ver mais nada. E não aconteceu absolutamente nada, tudo seguiu igual.  

Não resta dúvida que uma das razões para o crescimento das vendas de motos é que a população que tem dinheiro curto entendeu que gastar mais dinheiro com algo que não quebra vale a pena, fora o conforto e a segurança de estar longe de uma bicicleta que sempre acaba na bicicletaria. 
Numa bicicletaria grande e popular da baixada santista ouvi do dono que "Se as bicicletas não quebrarem como vou viver?". 
A população de baixa renda pedala com que tem. A mais abastada esquece empoeirando e compra uma nova melhor, e um dia dá aquela tranqueira para um funcionário, se der. 

Não resta dúvida que bicicleta de baixa qualidade é um problema sério para o próprio setor das bicicletas e para o desenvolvimento da bicicleta como meio de transporte e lazer, portanto do esporte também. Baixa qualidade é um problema seríssimo para todos brasileiros. 

sexta-feira, 1 de setembro de 2023

Ficar na roda, ou, pedalar no vácuo

Tive uma experiência assustadora na ciclovia do Rio Pinheiros. Estava num pequeno pelotão com mais quatro ciclistas, dois em paralelo na frente, eu e um outro atrás e mais um atrás de mim, quando o ciclista que estava a minha frente teve uma micro reação e eu, sem qualquer capacidade de reação, acabei por um milagre não batendo na cabeça de uma capivara. Era início de noite, pouca luz, eu estava grudado na roda do cara e simplesmente não vi nem tinha como ver a capivara. Minha única reação foi um grito meio gemido - ai! Diminuímos todos a velocidade e pouco mais a frente, não muito refeitos do susto, o ciclista que pedalava na minha frente disse que também não tinha visto a capivara. Estava distraído conversando com o ciclista ao lado. Caso ele tivesse tocado na capivara provavelmente os cinco iríamos para o chão. Pior, muito pior, iríamos machucar a capivara.

Pedalar no vácuo do ciclista que está a frente não é problema... se os dois souberem pedalar. Precisa saber a técnica, mesma assim se alguma coisa sair errado com o ciclista que puxa (o da frente) é chão na certa.
Pedalar no meio de um pelotão é mais complicado, demanda mais técnica e principalmente não ficar ansioso, mas esta é uma outra história que fica para uma outra vez, ou melhor, para ciclistas mais habilitados falarem sobre. Aqui só dou uma pincelada sobre ficar na roda ou pedalar no vácuo.

Não sou ciclista de estrada, mas tenho profundo respeito pelo ciclismo. Sei pedalar na roda e tenho um grande cuidado para não fazer besteira, não cometer erros, não incomodar ou induzir a erros. 
Pelo simples prazer de ir no vácuo já experimentei de tudo, de ter o prazer de ser puxado por três ciclistas de verdade que entenderam meu atraso, a ficar atrás de mané que acha que é ciclista, mas não é. 
A pior experiência? Tive algumas, mas talvez tenha sido na Prova 9 de Julho com um monte ciclistas sacaneando para ver se derrubaram quem vinha atrás. Metiam a mão no freio traseiro e arrastavam o pneu traseiro sem a menor cerimônia, o que é um absurdo completo. A 40 km/h ou mais é uma puta sacanagem.

Na ciclovia Capivara, a do rio Pinheiros, fui acompanhando uma menina até chegar na roda dela. Uns metros depois ela literalmente enfiou a mão no freio, estancou a bicicleta, e começou a gritar histérica comigo que não queria que eu pedalasse na roda dela. Poucas vezes na vida tomei um susto tão grande. A discussão seguiu por muitos metros com a imbecil achando que eu ia persegui-la ou agredi-la. Como assim? Dei uma bronca pela irresponsabilidade, a falta de civilidade, a completa falta de noção do que ela tinha acabado de fazer. Para piorar a situação ela pegou a rampa de saída na minha frente. Mesmo eu tendo mantido distância, bateu o desespero nela porque eu também estava saindo. A cena toda foi bizarra. Aquele dia eu fiquei furioso e ao mesmo tempo triste com a reação dela.  

Problema mesmo? Pedalar na roda de ciclista que não consegue manter a cadência é muito chato e pode ser bem perigoso. Com um ciclista "ciclista" a frente você tem que pedalar com atenção, sem se preocupar muito com mudanças de velocidade, que quando vem são suaves, previsíveis. Manter a distância correta de um ciclista que não sabe pedalar e não mantém a cadência, acelera, desacelera, acelera, desacelera..., é um porre. Quando ele acelera você perde um pouco o vácuo, quando ele diminui você tem que tomar cuidado para não encostar na roda traseira dele ou vai tomar um chão. 
Fujo de ciclista que não tem cadência como o diabo da cruz, e faço a recomendação que façam o mesmo.

Um dia sai de casa pedalando muito atrasado. Entrei na ciclovia do Pinheiros a mil olhando para trás para ver se conseguia um vácuo. Estava com minha paixão aro 26 2.1 e tinha que ser alguém ou um pelotão que estive "calmo", no final de treino, indo devagar (para eles), a uns 35 ou máximo 40 km/h. Olho para trás e vem um pedalando solo, todo paramentado, ciclista chique, do jeito e na velocidade que eu precisava, e lá vou eu, acelero, vou na roda, ótimo vácuo. Um pouco à frente o sujeito percebeu que eu estava colado, olhou para trás e viu um velho vestido com roupas comuns, sem capacete, cabelos brancos, e deve ter pensado que aquilo era uma ofensa aos brios próprios. Desandou a acelerar para tentar fugir e eu consegui acompanhar. Ele olhou para trás mais duas vezes e sua expressão foi ficando cada vez mais desgostosa de não conseguir se livrar do velho pedalando "aquilo". Ele estava numa Trek de triatlhon de carbono das bem caras, toda aerodinâmica, preta fosca, papa fina. Eu fiquei imaginando que ele estava em fim de treino e por isto não conseguia fugir. De qualquer forma quando cheguei na rampa de saída virei e fui embora.
Uns dias depois encontro um amigo, ele pega o celular. "Olha só a bicicleta que meu cunhado acaba de comprar" diz ele. Olho a foto e tenho que controlar o riso. Segurando orgulhoso a bicicleta estava o sujeito que eu tinha entrado na roda. Aí entendi porque ele não tinha conseguido fugir de mim na ciclovia.