quinta-feira, 25 de novembro de 2021

Specialized Hard Rock 18 marchas 1990 / comprada no Free Shop Brasif

 





Conta a história que no final dos anos 80 quem conhecia um pouco de bicicleta, já sabia o que era mountain bike e queria importar bicicletas para o Brasil correu para tentar conseguir a representação da Specialized. Um destes foi lá, disse eu faço e aconteço, falou grosso, colocou dinheiro pesado sobre a mesa, e a Specialized disse não. Então apareceram os irmãos Dränger, Luís e Roberto, o Beto, o primeiro ex-diretor comercial da Norton Abrasivos no Brasil e Beto então diretor de marketing da Elma Chips. Fizeram uma apresentação detalhada que agradou e receberam um OK prévio com uma condição: vocês vendem dois containers no primeiro ano e viram os representantes oficiais da Specialized no Brasil. Venderam 20, com um zero a mais ou 10 vezes o que foi pedido. Como? Com um acordo com a Brasif para vender Hard Rock 18 marchas como a da foto nos Free Shops dos aeroportos. E não venderam mais por pura falta de mercadoria. Custando exatos US$ 330,00, sem impostos, uma baba. Saiam dos aeroportos na caixa acompanhadas de uma lista de bicicletarias cuidadosamente selecionadas para montá-las, dentre elas o que viria a ser a Pedal Power, então só Daniel Aliperti; para quem não sabe um dos melhores mecânicos de bicicleta do Brasil, uma das mais respeitadas referências quando se fala sobre questões técnicas, respeitado por onde passa, aqui ou lá fora. O ótimo serviço de atendimento ao consumidor dirigido por Luís e Beto foi pouquíssimo acionado porque as bicicletinhas simplesmente não davam problemas, aliás, quem cuidou bem continua não tendo queixas 30 anos depois.

Uma Specialized com 18 marchas? Antes de mais nada e diga-se de passagem, maravilhosas 18 marchas que funcionam com uma precisão e suavidade quase sem igual. 
Os passadores Shimano Altus C20 para 18 marchas, 6 atrás e 3 na frente, têm uma característica muito interessante e prática: o acionamento para troca de marchas é realizada por uma única alavanca, espécie de câmbio sequencial que na época era usado em carros esportivos. É facílimo de ser usado, não tem erro, simplesmente genial. Pelo que soube a Shimano pretendia usar o mesmo sistema para a maioria de seus sistemas de marchas, mas um detalhe queimou o projeto.

Por que o passador de única alavanca não deu certo? A caixa de proteção do mecanismo foi fabricada com um plástico errado, muito duro, frágil, e quebravam. Shimano trocou todas que conseguiu, mas o estrago estava feito. Mais, o chique, sempre o chique, daquela época era ter 21 marchas, mesmo que a imensa maioria dos ciclistas não usasse (e não continue usando) mais que duas ou três marchas. Em outras palavras: os compradores sem entender nada chegaram a conclusão que se é 18 marchas é ruim, não interessando se tem pontos positivos ou não. Se não for chic, se não dá status, é ruim, ponto final. Ideia genial morta e enterrada. Trocar as marchas com uma única alavanca é mais suave, preciso, e difícil de se cometer erros.
Só eu sei a felicidade que tive ao pedalar novamente, depois de uns 20 anos, esta Hard Rock de 18 marchas com estes passadores Altus C20. A bicicletinha funciona maravilhosamente bem, é de uma suavidade e precisão impressionantes. Simples: é uma Specialized.

Mas pelo menos a história da Hard Rock no Brasil não terminou ali. 
Primeiro, o conjunto quadro e garfo foi copiado na cara dura por diversos fabricantes e fabriquetas, a maioria nem merece ser chamada de cópia.

Com as mudanças na cotação do Dólar, com a entrada no mercado interno de modelos e marcas concorrentes, as vendas da Hard Rock diminuíram nos Free Shops. A continuação do modelo se deu num acordo entre a Specialized e a Caloi para a fabricação da Hard Rock no Brasil. A ideia inicial foi, diz a lenda, tomar o lugar ao sol da Hard Rock de cromo com um quadro fabricado em alumínio e assinatura Specialized, lembrando que Caloi com sua Aluminun era o maior fabricante de quadros de alumínio do mundo no início da década de 90. Não deu certo porque foram enviados 10 quadros para testes no laboratório da Specialized e todos foram reprovados (com louvor, pelo que contaram). Hoje imagino que o problema tenha sido a diferença do tamanho e peso do consumidor final lá e cá. Brasileiros são muito menores e mais leves que boa parte dos americanos. Neste momento foi definida a fabricação, leia-se ZFM, receber os tubos, soldar, pintar, adesivar e montar, do que acabou virando a Hard Rock Made in Brazil, 21 marchas. Custando exatos US$ 330,00 foi um puta sucesso, disparado a campeã de vendas entre as mountain bike urbanas sérias. 

Conta a lenda que uma destas Hard Rock brasileiras foi dada para um caseiro, em Maresias, como pagamento pelo conserto de um telhado. A bicicleta chamou muito a atenção entre os caiçaras que pediam ao orgulhoso dono para dar uma voltinha, gostavam muito e iam comprar a sua em prestações numa bicicletaria de São Sebastião, que por sua vez se tornou o maior vendedor de Specialized do Brasil e como campeão ficou por muitos meses. Também conta a lenda, que este sucesso irritou profundamente seu Bruno, ciumento por causa de sua bicicleta de alumínio, o detonou o começo do fim da parceria Specialized - Caloi.

Fato é que passadas quase duas décadas quem tem uma destas Hard Rock não troca por nada. E eles tem razão, são maravilhosas. 

Eu, então Bike Repórter Rádio Eldorado FM, com minha Specialized Hard Rock Made in Brazil. Foto de uma matéria de jornal, creio que publicada no Estadão; 1999


quarta-feira, 24 de novembro de 2021

Como não descer uma escada... pedalando


É lógico que consigo...
E de fato conseguiria caso tivesse feito tudo com um mínimo de calma e tendo parado um pouco para pensar o que deveria fazer. Em outras palavras, tendo estudado a besteira que me propus a fazer. Para finalizar, e se não estivesse sem prática. Acabei tomando um tombo ridículo de minha própria soberba.

Antes de descer estava com medo que o tapete soltasse, que se acontecesse causaria um tombo sério. Já me aconteceu. Isto me fez ser um pouco mais cuidadoso, mas muito longe do que se define como "responsável". Se estivesse menos entusiasmado para fazer a besteira teria descido a escada a pé e estudaria como contornar a curva para o segundo lance de degraus. Parar no meio do caminho foi burrice.

Comecei errando a entrada na escada. Deveria ter repetido até fazer a curva correta para entrar na escada e descer tudo de uma vez só, sem parar. Parar para fazer a curva para o segundo lance foi a causa do tombo. Óbvio que a bicicleta não sairia do lugar, ou seja, a roda dianteira travou na diferença de inclinações da escada com o pequeno plano da curva, princípio básico de física. 
Se parei, se a roda dianteira estava travada por um plano inclinado, para sair eu teria que ter jogado o corpo muito mais para trás e tirar o máximo de peso da roda da frente, talvez até levantando a frente da bicicleta, o que não fiz. Quando quis colocar a bicicleta em movimento o movimento de meu corpo foi para frente e a bicicleta ficou no mesmo lugar, física pura, o que fez meus pés escorregarem dos pedais e tudo capotar para frente.

Bicicleta e ciclista têm que estar no mesmo movimento. Se a bicicleta parar ou estiver mais lenta que o corpo do ciclista ele, ciclista, vai para frente ou mesmo por cima do guidão, simples assim.

Confesso que gostaria de voltar lá e repetir até fazer correto, mas infelizmente a casa foi vendida. Tem uma outra escadaria que gostaria de descer, mas se tentar Teresa e os outros moradores me matam. Ou talvez melhor não fazer besteira. Fazer besteira, melhor, tentar tem que tentar, é aprendizado. Não pode é se quebrar e para isto tem que pensar. 
De qualquer forma, como dizem na minha família, "velho não se mete a besta". Fazer o que?

Neste Ciência do Absurdo aparecem algumas explicações 





quarta-feira, 17 de novembro de 2021

Caixa de câmbio para bicicletas


É óbvio que eu gostaria de ter uma bicicleta muito mais leve, destas peso pena, mas não dá tanto pelo preço absurdo como pelo perigo de ser assaltado. Então fico com a minha e estou feliz, de verdade. Preso mais minha liberdade que uns quilos a menos.

Fazia muito que não sentia tanta coceira quanto estou tendo para ver e experimentar uma bicicleta com caixa de câmbio no movimento central. Tudo que tenho lido a respeito fala maravilhas e aponta para que a novidade seja uma mudança de paradigma. Aí não sei se faria uma loucura.

Com a caixa de câmbio no movimento central acaba a possibilidade de as trocas de marchas ficarem imprecisas, do câmbio entortar ou mesmo quebrar, da corrente emporcalhar, de pular marcha, do desgaste de engrenagem... Acabam todas ocorrências triviais e desagradáveis que os câmbios tradicionais podem ter. Mesmo que você mergulhe a caixa de câmbio num mar de lama ela vai continuar funcionando perfeitamente. Manutenção? Praticamente zero. Facilidade de troca de marchas? Total, pedalando, não pedalando, pedalando para trás, fazendo esforço... como queira, nunca falha, trocas absolutamente precisas sempre. Relação de marchas? A mesma dos melhores câmbios com redução para subir poste, se quiser. Se for com correia dentada nem lubrificação é necessária. Com o detalhe que a roda traseira não precisa de raiação com guarda-chuva, em outras palavras, muito mais rígida e resistente.
Mais, abaixa o centro de gravidade da bicicleta, que com isto fica mais estável. Tira peso da roda traseira o que melhora aceleração e frenagem. Faz muita diferença para o bom funcionamento da suspensão traseira.
 
Contras: ainda é um pouco mais pesado que o conjunto do câmbio tradicional, mas pelo que tenho visto é mais pesado que os modelos top de câmbio traseiro, não sei como será a comparação com os modelos mais simples e baratos. 

Estas caixas de câmbio ainda não estão completamente desenvolvidas, há vários projetos diferentes, com princípios diferentes de funcionamento, mesmo assim todos são elogiados. Há um projeto onde a coroa não está fixada ao eixo do pedivela que vem sendo muito elogiado porque simplifica muito todo sistema, alivia um pouco o peso e tem cheiro de bom caminho para o futuro.

E eu estou babando! 
Que novidade!

Não, não é novidade. Há registro de caixas de câmbio patenteadas antes de 1900. Inventadas para bicicletas, passaram para os automóveis e motos e agora voltam para as bicicletas. A bem da verdade os cubos traseiros com marchas tão comuns em bicicletas urbanas europeias usam exatamente o mesmo princípio. O Sach Huret Torpedo 3 Speed foi o primeiro sistema de marchas a ganhar um Tour de France isto em 1907 (propaganda abaixo). Enfim, o conceito básico é exatamente o mesmo de uma caixa de câmbio.
Este é o futuro até porque faz todo sentido numa bicicleta elétrica. Com correia dentada então...



terça-feira, 9 de novembro de 2021

O sprint da 14° Desafio da Serra do Rio do Rastro

Mais de 1300 metros de altimetria, subindo sempre, em 23.8 km (Strava). Vencedor em 1h14m. Eu 2h34m48; nada mal para o velhinho.

Terminei perdendo uma colocação no geral por um décimo de segundo para um francês. Sprint final consegui deixar para trás alguns já exaustos pela duríssima subida, dois da minha categoria, mas fiz o erro de achar que o francês, minha última ultrapassagem, 300 metros da chegada, estava morto. Ele não só veio atrás como pegou o vácuo e por um mísero centímetro cruzou na frente. Lógico que fiquei chateado, mas foi por bem pouco tempo. Valeu muito mais a diversão, o emocionante sprint final, e principalmente o aprendizado. Nunca subestime ninguém.

Não perca a oportunidade de esticar seu esforço para chegar a frente. Tivesse eu esticado a bicicleta para frente, técnica de ciclismo de competição que não tenho, teria cruzado a chegada um décimo a frente do francês e não atrás. Imediatamente após a "vitória" dele bati no ombro do meu bravo rival, apertei sua mão dando sinceros parabéns, e minha chateação meio que acabou alí. Nos falamos um pouco depois de nossa "feroz" disputa e rimos da brincadeira. O vencedor reclamava das dores nas pernas, um pequeno e perverso prazer para o "perdedor".

Jean Paul ao centro, de amarelo, conversando
"Nunca subestime ninguém" ficou rondando minha cabeça, e subestimei, ou avaliei errado. Ele estava distante, a frente do adversário mais próximo, provavelmente controlando a situação, mas definitivamente não estava morto e este foi meu principal erro. Me aproximei olhando para ver se era concorrente direto, mas só quando estava lado a lado é que vi que sim, tinha minha idade. Não achei que não viria atrás, outro erro. Passei, ele juntou forças, veio junto, e num movimento de quem sabe pedalar e conhece ciclismo entrou no meu vácuo e saiu no momento exato para cruzar a frente, um centímetro, um décimo. 
Parabéns francês! Jean Paul Gilles é seu nome. Espero que nos cruzemos novamente. Fazia muito tempo que não me divertia tanto.


Eu aprendi mais uma. Valeu.


quarta-feira, 3 de novembro de 2021

Ansiedade antes do Desafio da Serra do Rio do Rastro

Hoje à noite pego um ônibus para Rio do Sul, Santa Catarina, e de lá para Bom Jardim da Serra. Domingo participo pela segunda vez do Desafio da Serra do Rio do Rastro. Com certeza ansioso, não sei exatamente quanto, mas ansioso. Não faço ideia de como vou terminar ou mesmo se termino os 28 km de subida com 1.200 metros de altimetria. Sobe, sobe, sobe, e nos últimos 5 km de serra sobe para valer. Faltam quatro dias e daqui para frente é controlar a ansiedade.

Qualquer um sabe dos malefícios da ansiedade nas trivialidades da vida, mas poucos sabem do tamanho da perda de rendimento que ela causa. Só dimensionei quanto faz diferença quando publicaram um artigo sobre o treinamento que ciclistas do Tour de France recebem para controlar suas ansiedades. Não fazia ideia que mesmo para os especialistas em subida o finalzinho, aqueles 500 metros antes da chegada, é bem complicado até para as feras.
Em 1984, subindo numa Caloi 10 a serra para Visconde de Mauá, ainda de terra, aprendi que olhou para cima, procurou o fim do sofrimento, dançou bonito. A subida termina quando ela termina, parece óbvio, mas definitivamente não é. Não pensar, se distrair com a paisagem ou im qualquer outra besteira, controla a ansiedade, e menos ansiedade, mais fácil subir até para a musculatura.


Ontem subindo a Rebouças fui ultrapassado ainda no início da subida por um jovem pedalando uma boa bicicleta de estrada em disparada. A três quarteirões do final morreu, desceu a bicicleta e começou a empurrar com língua pendurada. Passei por ele e como um velho pai ou avô orientei: "Comece devagar para terminar rápido" e ele respondeu "Estou parado a tempo". Tenho experiência suficiente para saber que mesmo que ele estive em plena forma começando a subida feito vaca louca é líquido e certo que vai morrer. Pior ainda, segurando o guidão na parte de baixo da curva.

Controla-se a ansiedade através da respiração, isto é o básico do básico. Desacelerou a respiração a coisa volta ao normal ou melhora muito. Para respirar direito é necessário abrir o tórax, levantar a cabeça, dar fluidez ao ar. Corpo e ou cabeça baixa não ajuda em nada.

Cá estou eu tentando relaxar, mas não consigo. Quero mesmo é entrar no ônibus e ir embora. Lá no sul dou umas pedaladas leves para relaxar. E domingo... sei o que vai dar.