quinta-feira, 28 de janeiro de 2021

Mixirica

  • O grupo fez o Caminho da Fé em quatro dias. 
  • O pessoal saiu de Osasco e foi para a Basílica de Aparecida no Norte numa tacada só (220 km) 
  • De um dos que tentou fazer São Paulo - Rio pedalando direto ouvi "Estourei completamente o joelho" 
  • Os indianos chegaram em São Paulo fazendo mais de 100 km por dia pedalando bicicletas sem marchas, carregadas com mais de 35 kg de malas, panelas, fogareiros, barraca... Mais, as duas bicicletas eram tamanho 21 e os indianos deveriam estar pedalando bicicletas tamanho 17 quando muito. Tudo errado, mesmo assim estavam serelepes. Impressionante! 
Confesso que por um lado tenho inveja desta resistência e por outro considero uma loucura. Como ser humano comum, em um corpo normal, e com um mínimo de consciência sobre saúde vi que no meio destes "heróis" tem louco de pedra que não faz a menor noção do que é autorrespeito. Aliás, gente querendo ser herói Marvel é que não falta. 

Já fiz idiotices e afirmo com todas as letras "não compensa! é burrice!". Só vai compensar se você tiver conhecimento, educação, autorrespeito e treinamento para exagerar. Coloquei o treinamento no final dos quesitos necessários. Erra redondamente quem imagina que sem conhecimento do que vai fazer; educação para aprender, entender e executar o que aprendeu; e autorrespeito "vai dar certo", "não tem erro". 

A maioria de nós é normal e isto é ótimo. E tem uns pouquíssimos que são "especiais", que tem muita facilidade para alguns esportes. Repito "especiais", fora do padrão, fora da curva... chame o que quiser, eles fazem o que nós, humanos normais, NÃO DEVEMOS FAZER. 

Aí vem um Mixirica.

Eu já considerava meus heróis os brasileiros que ganharam ou mesmo terminaram o RAAM, Race Across America, com seus 4.500 km e a regra de "quem chegar primeiro ganha"; ou seja, se pedalar sem parar de Los Angeles a New York, sem dormir, sem comer, sem fazer pipi ou cocô, só pedalar e rápido, ganha. Uma loucura vencida em solo por Christoph Stasser, austríaco, em 7 dias, 15 horas e 56 minutos. 

Aí vem a história do Mixirica que provavelmente dá inveja, ou raiva, em quem competiu no RAAM. Afinal, não é todo mudo que faz mais de 10.000 km competindo para chegar primeiro numa tacada só. Ok, com umas sonecas por dia até terminar. 
Meus amigos tinham na ponta da língua "Mixirica", o ciclista do momento, o herói, o super ciclista. Contaram tantas histórias, todas de forma tão singela, que ouvi adorando, mas sem ter a real dimensão do que estavam falando. 
Pediram para eu dar uma entrevista na Rádio Empreendedor / Cyclo Magazine e avisaram que seria junto com o Mixirica. "Pô, que bacana" me disseram. Cheguei um pouco adiantado e fiquei conversando com o Marquinhos; logo depois chegou uma figura que a última vez que tinha visto, faz muito, era um pós adolescente tranquilo, de bom trato, simples e simpático, um dos que me atendeu na Pedal Power onde ele trabalhava. Tenho uma memória péssima, mas lembro bem dele, o que é bom sinal. E ele é o Mixirica. 
De impressionante simplicidade, continua o mesmo garoto de tantos anos faz. Bom sinal! E só caiu minha fixa que o Mixirica era o Mixirica tão falado quando perguntei o que estava fazendo por lá. "Vou participar do programa de rádio". Me diverti um bocado ouvindo as mesmas histórias que ouvira dos amigos desta vez pessoalmente e só aí caiu de vez minha fixa do tamanho da "brincadeira" que ele fez. Uau! Ouvindo dos amigos pareceu história de ciclista, que é mais ou menos a mesma coisa que história de pescador. Não é, o cara e suas pedaladas são de verdade. Quiospe! Para começar o cara estava na rádio para falar sobre sua vitória na Trans Siberiana, uma discreta prova de 10 mil km e mais uns trocados - ganha quem chegar primeiro - com um discretíssimo sprint final de 450 km, sim, escrevi correto - sprint de 450 km. Sprint, aquela coisa que num Tour ou Giro os ciclistas pedalam até a última gota de sangue, suor e dores por meros 450 metros para cruzar na frente a linha de chegada. Mixirica = sprint de 450 kms, sim kms! 
Ouvi deliciado Mixirica contando como se fosse a coisa mais normal do mundo seus feitos no pedal. "Num determinado momento vi King Kong na beira da estrada". Opa! até ele passa dos limites. As histórias dos delírios são muitas e felizmente divertidas. 

No RAAC vira e mexe tem acidente grave porque o ciclista apaga a cabeça, mas não para de pedalar. Uma das funções da equipe de apoio é controlar esta exaustão do ou dos ciclistas. Há toda uma estrutura por traz da competição para evitar absurdos, por mais absurda que a prova seja. 

Conheci uma mulher, mãe, que faz ultra maratonas de cross country, brincadeirinhas de correr no meio do nada por mais de 400 km. Ela contou que um dia ao sair para treinar, uma brincadeira de 60 km, a filha veio, a abraçou forte chorando e perguntou: "Mãe, você volta viva?". 

O problema não é voltar vivo ou viva, mas ficar torto, virar quiabo, como se diz no meio médico. 
Olhe-se no espelho e entenda o que você realmente é. Respeite-se! Se não consegue, se abusa com frequência, procure ajuda. Quiabo não dá!

quarta-feira, 20 de janeiro de 2021

Na baderna do mercado o que importa a qualidade?

No meio da restauração da bicicleta decidi trocar toda roda traseira, tanto para reduzir peso quanto para deixar as duas rodas com o mesmo aro e cubo. Menos de um ano depois os raios começaram a pipocar. Confesso que a princípio não me lembrei que tinha montado esta roda com raios novos que agora estouram um atrás do outro. Me lembrei do que Djalma me falou sobre a qualidade do que tem sido entregue pelos distribuidores. Para entender, uma boa roda vai rodar muito, mas muito mesmo, antes de estourar um raio. Mesmo quando eu usava raios brasileiros bem básicos era difícil estourar um raio. 
Raios tem em suas cabeças a marca, o logo, do fabricante. Nestes raios que estão quebrando não há qualquer marca, são completamente lisos. 
Não precisa nem deve trocar a raiação por uma dupla, o que vai aumentar o peso da roda deixando o pedalar mais pesado também. Raios de boa qualidade, DT como bom exemplo, não quebram, simples assim.

Estes raios frágeis são fato isolado? Não.
Peguei um aro para desentortar de marca nacional muito respeitada pelo mercado. O ciclista beliscou a lateral num buraco de calçada escondido por matinho alto. Fiquei impressionado com a moleza do material usado. Fosse um aro importado de qualidade jamais teria voltado para o lugar com um martelo de nylon leve. A moleza do material explica porque este aro perdia o centro com tanta facilidade. Aliás, explica porque tem ilhós. E custa caro!

No meio da procura por um quadro novo para substituir o que foi quebrado pelo bike courrier (já contei a história) um funcionário me entregou um quadro 26 tamanho 21. Quando o dono da bicicletaria soube que eu tinha pego aquele quadro me pediu para devolver porque a qualidade é muito baixa. "Tenho que ter (na bicicletaria para vender) porque tem cliente que quer porque quer" contou ele.

Há um alumínio específico para cada peça, projeto, e uso que se fará. É tema bem complicado, coisa para engenheiro especializado. 
Faz muito tempo um amigo quase arrebentou se quando o guidão de alumínio entortou ao descer um meio fio. Acabamos descobrindo que o fabricante estava usando alumínio específico para suporte de cortina de chuveiro. 
Dando aula, faz mais de 15 anos, a bicicleta montada em uma bicicletaria muito respeitada simplesmente partiu em dois, separando a caixa de direção do resto. Felizmente o aluno estava devagar e não se machucou. São inúmeras as histórias daquela época. 
Hoje o mercado é outro, mas ainda temos muitos problemas com qualidade principalmente do que é fabricado em alumínio. Sei de fabricante que pediu uma especificação de alumínio e recebeu outra por engano do fornecedor. Teve que recolher todo lote de produção, que não foi pouca coisa.   

Não é porque é de alumínio que é leve. Não é porque é grosso que é resistente. Não é porque brilha que vale a pena. 

Enfim; o mercado brasileiro, não só o de bicicletas, está cheio de distorções que permitem problemas sérios de qualidade. E o brasileiro não pesquisa a fundo, não reclama, aceita. E agora, no meio desta baderna que a pandemia nos colocou, ajudada pelo Governo Federal, a baixa qualidade rola solta. Abra o olho.

quinta-feira, 14 de janeiro de 2021

Consertar, recuperar, reaproveitar... prova de conhecimento e honestidade


Na série "Retomada Verde" o jornal Estadão publicou " 'DIREITO DE CONSERTAR' GANHA ESPAÇO; Iniciativas para alongar a vida útil dos produtos levam cidadão a adotar consumo consciente" de João Prata, em 13 de novembro de 2020. Ótimo. Fala sobre regulamentação, dispositivos legais, sobre o direito do consumidor de ter acesso a informações sobre a vida útil dos produtos e ao reparo, o que no caso das bicicletas simplesmente não existe.
Para entender; a indústria automobilística é obrigada por lei a ter peças de seus produtos por um bom tempo, se não me falha a memória por 10 anos. Dentro deste prazo se o proprietário não encontrar tem possibilidade de acionar a Justiça e o fabricante vai perder. Mesmo depois é possível encontrar no mercado peças de carros fora de produção com certa facilidade. 
Nunca ouvi falar que o setor das bicicletas tenha qualquer regulamento ou dispositivo legal neste sentido. Bicicleta, mesmo sendo extremamente importante para a política de transportes (mobilidades) e urbana é tratada como um produto industrial qualquer. 

Estou com um quadro Trek MTB dos anos 2000, ótimo, mas que tem a furação para o freio a disco numa medida diferente da que hoje é padrão e simplesmente não encontro o adaptador. O que faço, descarto um quadro que é melhor que a imensa maioria dos que estão sendo vendidos hoje? Situações como esta são comuns. A quantidade de lixo gerada por obsolescência precoce é muito grande, o desastre ambiental maior ainda.

As bicicletas atuais são fabricadas levando em consideração a precariedade de conhecimento técnico e qualidade de trabalho da maioria dos mecânicos de bicicleta. É triste dizer isto, mas é verdade, e usar a palavra verdade requer muito cuidado. Felizmente cada dia cresce o número de cursos sérios sobre mecânica de bicicletas, seja para mecânicos profissionais, seja para ciclistas comuns. Mas precisamos de mais, muito mais.

Se os brasileiros querem fazer da bicicleta coisa séria é necessário organizar as bicicletarias, impondo padrão de qualidade de trabalho e padrões ambientais. Esta ideia vem sedo levada a políticos e governos desde 1986 sem resultado. Pessoalmente não tenho porque acreditar nos padrões de qualidade que foram criados faz alguns anos. A estrutura legal, leia-se justiça brasileira, é pouco prática, para dizer o mínimo e ser polido, e o que está na IMETRO já serviu até para sacanear quem trabalha bem. Ou seja, o que existe para controlar qualidade praticamente não funciona. Lixo gerado pelo setor da bicicleta é o que não falta, uma vergonha.
A única forma de acertar a situação é ter bicicletarias que trabalhem com alta qualidade, mesmo dentro do mercado de baixa renda; aliás, principalmente. Consertar, recuperar, reaproveitar é mais que prova de conhecimento, é sinal claro de honestidade. 

Ao lado do ótimo artigo 'DIREITO DE CONSERTAR' GANHA ESPAÇO’ está uma caixa com título "Venda de usados representa grande ajuda para o planeta" e é, como é. Quem conserta, recupera, reaproveita está ajudando e muito nosso futuro. Ninguém duvida que é inaceitável desperdiçar, descartar, jogar no lixo. Vale para bicicletas.