sábado, 20 de abril de 2024

As 29 são as melhores? E as 26, coisa do passado?

Sobre tamanho de roda, começo chutando o pau da barraca: meu sonho seria encontrar a Nishiki de triathlon aro 24 que vi faz muito tempo na Ciclo Caravelle e sair para dar uma volta, e talvez comprar. Imagino que a aceleração deve ser de um foguete. Deve ser muito mais arisca que as com rodas normais. O rodar mais áspero, irregularidades e buracos mais sentidos, a manutenção da cadência muito diferente das 700. As subidas..., acho que tranquilas, principalmente se tiver que mudar de velocidade ou cadência. Tudo efeito aro 24.


O que mais cansa nesta história da geração 29 é o pessoal achando estranho ou até um absurdo você estar pedalando uma 26. Não pode! 29 é o bicho! 
Será que as 29 são melhores que as 26? Depende para que e para onde, cada uma tem seus pró e contras. 
Eu tenho uma 29, mas prefiro minhas 26. Guardo a 29 para quando for para a terra ou para momentos muito específicos. Pedalar uma e outra é técnica bem diferente. Diâmetro diferente, pedalar diferente. O ideal seria experimentar varias rodagens diferentes para ver o que se aprende com elas. E vou dizer que se aprende muito.

Minha primeira bicicleta, já com corpo adulto, foi uma Monareta aro 20. Era um foguete. A bem da verdade, nos meus 14 anos eu também. Não me lembrava, mas Renata me contou que eu ia até a casa deles, meus primos, pedalando. Para chegar tinha uma belíssima subida, vencida numa aro 20 sem marcha. Juventude é uma maravilha, aro 20 também.

Minhas primeiras bicicletas, já com CNH (que maravilha!?!), foram aro 27, a Caloi SS 1977 e a Caloi 10. As bicicletas mais populares da época, as "barra", Monark Barra Circular e Caloi Barra Forte, mais as femininas e derivadas, tinham rodas 26 1 1/2 com pneus balão, 2.1. Em 1981 comprei uma Barra Forte feminina que usava para ir ao trabalho, professor. Era pesada e para não chegar ensopado na subida mais ingrime empurrava. 

E aí, em 1986, apareceu o mountain bike com suas rodas aro 26. Bingo! Que delícia! Minha primeira foi a Cruizer Extra Light 26 pneus 2.1.. Uns bons anos depois consegui comprar minha primeira MTB. Logo depois ganhei, como prêmio de trabalho, uma M2 com rodas com rodas Z21 Pro e pneus de competição, de mundial, um outro planeta, uma história a parte que conto em outro texto. A diferença para tudo que tinha pedalado foi monumental.
   
A primeira vez que pedalei uma aro 28 1 5/8, uma medida sueca que não existe mais, fiquei fascinado. Bicicleta tradicional, pesada, aro de aço, pesado, pneu 41 de alta pressão, bom de rodar. Sair do lugar com ela era quase um sacrifício, mas depois que ela embalava era uma delícia que não parava mais. Ali descobri que quanto maior a roda, mais ela mantém o rodar, ou, depois de embalar é uma beleza. Subidas? Se tiver pernas o negócio é não deixar a cadência cair. 

Dito tudo isto, qual é a melhor, 29 ou 26? Depende de uma série de fatores. São várias as questões que envolvem o diâmetro da roda, mas talvez o mais importante, o decisivo, seja "vendas". Sim, vendas. O mercado precisava de novidade, tentaram as 27.5 e as 29. As 27.5 micaram, as 29 foram em frente. Uma das razões é simples: o aro usado nas 29 é o 700C, o mesmo usado nas híbridas, urbanas, road bike ou speed, triathlon...; ou na maioria das bicicletas padrão europeu. Em outras palavras, menos estoque nas fabricas e bicicletarias, menor custo... E o povo precisa de novidade. Bingo!

Por que chama 29? Porque o diâmetro total, com pneu cheio, é de 29 polegadas. As 26 é a mesma coisa. 

A diferença no pedalar? As 29 são mais macias para o ciclista, passam mais fácil pelos buracos. São menos ariscas, tem reações mais previsíveis, mais faceis de corrigir, o que é ótimo para a maioria dos que pedalam, que não são, nem querem ser profissionais ou amadores sérios. 

Como já disse, o comportamento do rodar está relacionado com o diâmetro do aro mais do pneu, largura e pressão do pneu, e o peso total da roda, para simplificar muito a história. Física pura.
Quanto maior o diâmetro total da roda, mais lento é o acelerar e mais fácil de manter a velocidade, também simplificando muito. Responde às leis de física, ponto final. Pegando uma pedra, amarrando num barbante e dando voltas na pedra é  fácil entender as diferenças. Mantendo-se a mesma pedra, ou o mesmo peso, maior o comprimento do barbante, mais complicado é acelerar. Depois de acelerada, mais fácil manter o movimento. 

A tabela de medidas de aros e pneus do maravilhoso site Sheldon Brown até assusta pela quantidade de medidas que já existiram. Felizmente, repito, felizmente racionalizaram e hoje se tem só algumas medidas de aros e pneus. Racionalização através da padronização é o que de mais respeituoso se pode fazer com os usuários. Espero que um dia aconteça o mesmo com as gancheiras de câmbio, que hoje são uma loucura de desenhos variados.

Valter Busto tem em sua coleção bicicletas com rodagens obsoletas que são praticamente impossíveis de encontrar pneus próprios.

sábado, 13 de abril de 2024

Aro que dá pulo

- Como vocês (experimentados mecânicos de bicicleta) sabem se um aro vai dar pulo antes de montar (a roda)?
Ele pegou o primeiro aro simples e barato que apareceu e apontou para um sensível desalinhamento entre as paredes de emenda e disse sem piedade e em cima de seus mais de 40 anos como respeitado mecânico:
- Aro brasileiro pula. Você pega qualquer aro importado e ele não vai pular.
No caso ele estava falando sobre pulo que dá quando se freia com V-brake, e eu tinha perguntado sobre o pulo da centragem. Ou, o aro vir de fábrica meio ovalizado, outro erro de emenda.
- Não tem jeito, respondeu. Nunca acontece com aro importado de qualidade. E encerrou a conversa mostrando sua irritação com baixa qualidade.

É triste, muito triste que a indústria nacional não consiga fabricar aros alinhados e centrados. O processo de fabricação é muito básico, simples de controlar. 
Numa máquina entra um perfil contínuo de alumínio que é dobrado até ficar redondo e no tamanho do aro desejado. O futuro aro então é cortado e para fechar, as pontas recebem ou pinos ou solda, e o aro está praticamente pronto. Se houver uma possível rebarba de corte tem que ser limpa, o que nem sempre acontece. O aro fechado entra numa segunda máquina que faz a furação para os raios e o bico da câmara, e, de novo, se houver rebarbas estas devem ser limpas.  
Aros para freios de sapata, ferradura, cantilever ou V-brake recebem, ou deveriam receber, uma fresagem na parede para não dar pulo na frenagem.
Repito, o processo é muito simples, básico, coisa de indústria de primeira ou segunda geração. Dá para fabricar um bom aro sem ter que recorrer a máquinas digitais sofisticadas, caras. Basta manter bem ajustada a máquina, tirando as folgas que acontecem com o tempo, principalmente nas de corte. Aí entra, ou deveria ter entrado, um funcionário de extrema importância em todo processo: o ferramenteiro, o sujeito que inspeciona, cuida, faz manutenção e ajusta as ferramentas da fábrica. A questão é que para fazer a manutenção de uma máquina é necessário parar o processo produtivo, então muitos fabricantes deixam um pouco mais para frente e as folgas na máquina vão aumentando. Quem fabrica sabe que vende mesmo assim. 
O Brasil está praticamente fora do jogo industrial do mercado global. É sobre isto que se está discutindo agora no Governo Federal e Congresso. Sem um setor industrial forte estamos fodidos, literalmente. Faz muito tempo que não entro em fabricas ou fabriquetas, mas basta olhar o que temos "made in Brasil" para ter certeza que estamos muito mal no pedaço. Acho deprimente que seja colocado a venda produtos de baixa precisão, produtos que vão dar defeito e que provavelmente gerarão lixo. 
Não adianta falar, porque contra qualquer reclamação está um povo que compra. Neste meu caso, comprei por pura crença, boa fé, que o problema nos aros nacionais não acontecia mais. De boa fé o inferno está cheio. Lá vou eu! 

Montei a última bicicleta a partir o zero. Tiraram sarro da minha cara quando disse isto, mas agora creio é que a final, até porque acabara-se as peças que tinha estocado. Me faz bem, me acalma, vou aos poucos, pegando para montar quando estou para explodir. O processo demorou muito porque este quadro de Trek tem um suporte de freio a disco completamente estúpido que demorei uns 3 anos para conseguir. O resto das peças ou eu tinha ou fui comprando muito aos poucos. Não recomendo que façam o mesmo porque sai bem mais caro que comprar uma nova com garantia de fábrica. E dá muito menos dor de cabeça depois. Me faz bem ficar dando os ajustes finos, mas confesso que também enlouquece. 
Enfim, montar do zero, pelo menos para mim, sai mais barato que pedir socorro para um médico, e muito menos daninho que tomar remédio.

Comprei os aros numa bicicletaria tradicional de São José dos Campos. Montei primeiro o dianteiro, que estava tão alinhado quanto o esperado. Um detalhe, procurei muito aros de parede simples, não aero, mas não encontrei qualquer coisa que preste. Que seja aero, é o que encontrei, foi o que comprei, mas não gosto. 

Montei o traseiro feliz da vida e fui para a centragem. O pulo na emenda..., melhor, o buraco na emenda não dá para tirar, não importa o que se faça. 
Aros de parede simples são mais moles e com uma técnica específica é possível tirar um pequeno afundamento ou calombo. Num aro aero, que é de parede dupla, muito rígido, simplesmente não dá, pelo menos nunca soube como fazer, se é que tem como fazer, o que duvido.

Outro ponto, este mais importante, é que com um aro ovalado não se consegue a tensão uniforme nos raios. Neste meu caso em específico, na roda traseira, uns raios ficaram pouco tensos e com o rodar insistem em ficar completamente soltos, sem tensão. Tive que dar um pouco mais de tensão neles, o que acentuou o pulo da centragem. Resumo: vou ter que trocar o aro. Aliás, vou trocar os dois aros.

A bicicleta nova é freio a disco, e só se encontra aros 36 furos para V-brake, ou seja com a parede fresada. Um leigo vai achar estes aros, mesmo um pouco ovalizados, ótimos, porque com a fresagem o frear não vai dar trancos, ou pulos.

Meu sonho era montar esta bicicleta com aros de parede simples. Por que? São mais leves que os aero, os de parede dupla. "Mas os de parede simples entortam mais fácil", dirão. Depende da qualidade e de como o ciclista pedala. O mountain bike começou com aros simples e eles aguentavam uma barbaridade. Aros aero foram introduzidos no mercado para público leigo, e por razões internas das bicicletarias, principalmente a baixa qualidade do serviço prestado por boa parte dos mecânicos.  

É muito simples saber se um aro tem qualidade. Depois de bem centrado os raios de cada lado ficam com a mesma tensão. Basta dar uma batidinha, percutir cada um e ouvir o som, que tem que ser igual em todos, a mesma nota musical. Vale lembrar que quando a roda tem guarda-chuva, como na traseira ou com freio a disco, o som, a tonalidade dos raios difere um pouco de um lado para o outro.

Num de baixa qualidade é impossível ter os raios tensionados por igual. Daí desalinharem com frequência. Ou amassarem.



quarta-feira, 10 de abril de 2024

Pequenas bicicletarias, pobres bicicletarias

Cheguei na bicicletaria para perguntar se tinham um pneu básico e o dono estava discutindo uma diferença de caixa de R$ 1,00 com o funcionário. Pensei eu "Uau! R$ 1,00 de diferença de caixa e uma conversa com toda esta seriedade? Faz diferença mesmo para ele?" Sim faz! Sinal claro de como é dura a vida das pequenas bicicletarias.
Ele terminou o que estava fazendo e veio me atender. A bicicletaria é muito simples, com paredes ponteadas por uns poucos produtos de forma a não deixar a parede completamente vazia. Ele não tinha o pneu abiscoitado nacional que eu procurava, mas tinha um similar chinês pelo mesmo preço. " Não estou comprando o nacional. Subiu muito de preço. Para mim não está compensando mais. O importado entra por R$ 29,00 e o nacional por R$ 32,00, e tenho que vender os dois pelo mesmo preço, R$ 50,00" terminou ele. R$ 3,00 de diferença em cada pneu e não fecha a conta? Sim, não fecha a conta. Quem vive em bairro bom de cidade grande e rica não faz ideia de como são as coisas no resto do país.
 
Pneu é um artigo que demora no estoque. A reposição é lenta, bem lenta, mesmo entre os pneus de baixa qualidade. A Decathlon parou de vender pneus porque o giro é baixíssimo e fabricantes e importadores só negociam grandes quantidades. Não perguntei como é o giro dos pneus naquela bicicletaria até porque trabalhar com um orçamento tão apertado para mim foi um choque. 

O manobrista do estacionamento aqui em frente comprou uma bicicleta usada para vir trabalhar. Fora os pneus muito gastos, o resto está em bom estado. A muito custo consegui convencê-lo a continuar rodando com aqueles pneus mais um pouco. Ele concordou porque para ele R$ 130,00 de dois novos faz muita diferença. R$ 130,00? Mas não escrevi que pneus básicos novos não custam R$ 50,00 cada um? Sim, em Penedo, não na favela onde o manobrista mora. Por que?

Não sei como está hoje, mas faz um bom tempo conversei com um dos donos das bicicletarias que ficam próximos as balsas do Guarujá, onde só vai trabalhador de baixa renda. A qualidade geral do que vendia, naquela época, faz tempo, era bem baixa. Perguntei por que e a resposta foi direta: 
- Se eu vender qualidade vou a falência. O pessoal tem que voltar para fazer manutenção ou trocar peças ou não sobrevivo.
Ups! Infelizmente a mais pura verdade.

A diferença para a pequena bicicletaria de uma cidade pequena é que todos se conhecem, o que transforma o negócio em coisa pessoal. O bicicleteiro tem que vender produtos e serviços baratos, mas não pode sacanear. Ele ganha pouco, mas mantem-se, sobrevive. 
Onde tem muito cliente, se o negócio perde um logo vem outro. 

Eu tenho o maior respeito por estas bicicletarias pequenas de periferia ou interior. A vida deles não é fácil. Mais, muitos deles são bons no que fazem. São mecânicos de bicicleta para valer. Alguns estão mais para milagreiros. 

Cada subida é uma subida: Penedo - Visconde de Mauá

Subidas, ah! doces subidas! A cada dia adoro mais subir, qualquer subida, principalmente as mais longas. Desta vez, mais uma vez, subi de Penedo para o topo da serra que leva para Visconde de Mauá. A altimetria acumulada? Não sei ao certo, mas algo em torno de 1.000 metros. Interessante, mas o Google deu três números para a altimetria, vai lá saber. Que seja, foi uma delícia. 

Penedo é uma simpatia. A cidade, pelo menos para este turista, pode ser dividida em duas, as ruas do centrinho, a que entra e a que sai, e a estradinha onde estão as casas dos moradores mais abastados, que é uma coisa linda. Fiquei no Hotel Daniela, que é um pouco para lá do centrinho, no fundo da cidade, uma residência com arquitetura dos anos 70, maravilhosa, ao lado do rio, que me lembra bons momentos de minha infância. Tem vários restaurantes, mas fico com dois bons, o Duo e Petit Gourmet. Penedo é calma, os turistas não são agressivos, barulhentos, e mesmo com o centrinho movimentado o ambiente é tranquilo. Enfim, Penedo me faz bem. E a estradinha dos moradores..., uma delícia de pedalar, ou caminhar, ou correr, ou ficar olhando as montanhas do Parque de Itatiaia...

Para o Mirante da Luz, o topo da serra para Visconde de Mauá, são 25 km de Penedo. A serra tem 784 metros de altimetria em 12.5 km, em uma subida mais ou menos constante. Subi num sábado pela manhã, não muito cedo, e para minha surpreza o trânsito de carros foi pequeno.

Cada subida é uma subida, e esta foi dura, bem dura, mesmo subindo a passo de tartaruga. No começo da serra parei para fazer um pipi e encontrei um sujeito de mais de 50 anos, Marcio ou Marcos Montanha, que iria iniciar a subida da serra correndo a pé. Ele me disse "Você vai me ultrapassar no meio da serra", e enquanto ele falava eu pensava "Conheço este pessoal (corredores de montanha). Ele é que vai me passar". Dito e feito, no meio da serra lá veio ele e seu acompanhante pedalando, conversamos cordialmente até ele sumir numa curva. 

Eu demorei exatas duas horas para subir os 12.5 km, ou, fiz uma média de 6. alguma coisa, bem baixa, mas a possível. Cheguei literalmente empapado, como não me lembro de ter terminado qualquer outra subida ou serra, mas feliz, muito feliz. 

Quando fui para Penedo pretendia subir para Visconde de Mauá, descansar uns dois dias e subir de Engenheiro Passos para Garganta do Registro, minha paixão, com 1.406 de altimetria e uma paisagem maravilhosa. Não deu. Cada subida é uma subida, e não sei porque desta vez fiquei muito cansado. Se forçasse a barra conseguiria subir a outra, mas para que?

Indo para a serra parei para ajudar um casal. Ela estava com fortes cãimbras nas pernas muito antes de chegar ao pé da serra. Mais a frente encontrei o que descobrir ser o resto do grupo que estava com o casal.  A distância entre os dois deixou claro que a maioria fez seu rítmo esquecendo que a menina era mais lenta, desatenção infelizmente comum entre os grupos de ciclismo. 
Estas situações me levam a outros pontos: 
  • faça seu ritmo, não morra por conta da ansiedade, do ter que pedalar como os outros. Você é você. Eles são eles. Não se divirta para a felicidade deles.
  • subir montanhas é ótimo exatamente para ensinar o controle da ansiedade, que é o que mais derruba o ciclista
  • Comece devagar para terminar bem
  • Não conseguiu? Ótimo. Você teve consciência de seus limites. Parabéns
  • E jamais se esqueça: cada subida é uma subida; nunca é a mesma coisa. Um dia vai melhor, outro nem tanto, assim é a vida.