sábado, 13 de abril de 2024

Aro que dá pulo

- Como vocês (experimentados mecânicos de bicicleta) sabem se um aro vai dar pulo antes de montar (a roda)?
Ele pegou o primeiro aro simples e barato que apareceu e apontou para um sensível desalinhamento entre as paredes de emenda e disse sem piedade e em cima de seus mais de 40 anos como respeitado mecânico:
- Aro brasileiro pula. Você pega qualquer aro importado e ele não vai pular.
No caso ele estava falando sobre pulo que dá quando se freia com V-brake, e eu tinha perguntado sobre o pulo da centragem. Ou, o aro vir de fábrica meio ovalizado, outro erro de emenda.
- Não tem jeito, respondeu. Nunca acontece com aro importado de qualidade. E encerrou a conversa mostrando sua irritação com baixa qualidade.

É triste, muito triste que a indústria nacional não consiga fabricar aros alinhados e centrados. O processo de fabricação é muito básico, simples de controlar. 
Numa máquina entra um perfil contínuo de alumínio que é dobrado até ficar redondo e no tamanho do aro desejado. O futuro aro então é cortado e para fechar, as pontas recebem ou pinos ou solda, e o aro está praticamente pronto. Se houver uma possível rebarba de corte tem que ser limpa, o que nem sempre acontece. O aro fechado entra numa segunda máquina que faz a furação para os raios e o bico da câmara, e, de novo, se houver rebarbas estas devem ser limpas.  
Aros para freios de sapata, ferradura, cantilever ou V-brake recebem, ou deveriam receber, uma fresagem na parede para não dar pulo na frenagem.
Repito, o processo é muito simples, básico, coisa de indústria de primeira ou segunda geração. Dá para fabricar um bom aro sem ter que recorrer a máquinas digitais sofisticadas, caras. Basta manter bem ajustada a máquina, tirando as folgas que acontecem com o tempo, principalmente nas de corte. Aí entra, ou deveria ter entrado, um funcionário de extrema importância em todo processo: o ferramenteiro, o sujeito que inspeciona, cuida, faz manutenção e ajusta as ferramentas da fábrica. A questão é que para fazer a manutenção de uma máquina é necessário parar o processo produtivo, então muitos fabricantes deixam um pouco mais para frente e as folgas na máquina vão aumentando. Quem fabrica sabe que vende mesmo assim. 
O Brasil está praticamente fora do jogo industrial do mercado global. É sobre isto que se está discutindo agora no Governo Federal e Congresso. Sem um setor industrial forte estamos fodidos, literalmente. Faz muito tempo que não entro em fabricas ou fabriquetas, mas basta olhar o que temos "made in Brasil" para ter certeza que estamos muito mal no pedaço. Acho deprimente que seja colocado a venda produtos de baixa precisão, produtos que vão dar defeito e que provavelmente gerarão lixo. 
Não adianta falar, porque contra qualquer reclamação está um povo que compra. Neste meu caso, comprei por pura crença, boa fé, que o problema nos aros nacionais não acontecia mais. De boa fé o inferno está cheio. Lá vou eu! 

Montei a última bicicleta a partir o zero. Tiraram sarro da minha cara quando disse isto, mas agora creio é que a final, até porque acabara-se as peças que tinha estocado. Me faz bem, me acalma, vou aos poucos, pegando para montar quando estou para explodir. O processo demorou muito porque este quadro de Trek tem um suporte de freio a disco completamente estúpido que demorei uns 3 anos para conseguir. O resto das peças ou eu tinha ou fui comprando muito aos poucos. Não recomendo que façam o mesmo porque sai bem mais caro que comprar uma nova com garantia de fábrica. E dá muito menos dor de cabeça depois. Me faz bem ficar dando os ajustes finos, mas confesso que ficar ajustando também me enlouquece um pouco. Uma hora a bicicleta dica redonda, aí valeu.
Enfim, montar do zero, pelo menos para mim, sai mais barato que pedir socorro para um médico, e muito menos daninho que tomar remédio.

Comprei os aros numa bicicletaria tradicional de São José dos Campos. Montei primeiro o dianteiro, que estava tão alinhado quanto o esperado. Um detalhe, procurei muito aros de parede simples, não aero, mas não encontrei qualquer coisa que preste. Que seja aero, é o que encontrei, foi o que comprei, mas não gosto. 

Montei o traseiro feliz da vida e fui para a centragem. O pulo na emenda..., melhor, o buraco na emenda não dá para tirar, não importa o que se faça. 
Aros de parede simples são mais moles e com uma técnica específica é possível tirar um pequeno afundamento ou calombo. Num aro aero, que é de parede dupla, muito rígido, simplesmente não dá, pelo menos nunca soube como fazer, se é que tem como fazer, o que duvido.

Outro ponto, este mais importante, é que com um aro ovalado não se consegue a tensão uniforme nos raios. Neste meu caso em específico, na roda traseira, uns raios ficaram pouco tensos e com o rodar insistem em ficar completamente soltos, sem tensão. Tive que dar um pouco mais de tensão neles, o que acentuou o pulo da centragem. Resumo: vou ter que trocar o aro. Aliás, vou trocar os dois aros.

Esta bicicleta nova é com freio a disco, 7 marchas, cubos 36 furos. Só se encontra aros 36 furos para V-brake, ou seja com a parede lateral fresada. Um leigo que usa V-brake vai achar estes aros, mesmo um pouco ovalizados, ótimos, porque com a fresagem o frear não vai dar trancos, ou pulos. Fato é que a diferença entre o rodar de um aro perfeitamente redondo e um irregular é bem sensível, até um leigo percebe. 

Meu sonho era montar esta bicicleta com aros de parede simples. Por que? São mais leves que os aero, os de parede dupla. "Mas os de parede simples entortam mais fácil", dirão. Depende da qualidade e de como o ciclista pedala. O mountain bike começou com aros simples e eles aguentavam uma barbaridade. Aros aero foram introduzidos no mercado para público leigo, e por razões internas das bicicletarias, principalmente a baixa qualidade do serviço prestado por boa parte dos mecânicos.  

É muito simples saber se um aro tem qualidade. Depois de bem centrado os raios de cada lado ficam com a mesma tensão. Basta dar uma batidinha, percutir cada um e ouvir o som, que tem que ser igual em todos, a mesma nota musical. Vale lembrar que quando a roda tem guarda-chuva, como na traseira ou com freio a disco, o som, a tonalidade dos raios difere um pouco de um lado para o outro.

Num de baixa qualidade é impossível ter os raios tensionados por igual. Daí desalinharem com frequência. Ou amassarem.



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