O IBGE fez a última contagem de bicicletas no Brasil em 1981. Não me lembro mais o número certo de bicicletas no país, mas era muito maior que esperávamos, algo em torno de um terço da frota de veículos circulando. Lembro que as motos não tinham explodido e que bicicleta era de fato coisa de pobre, um bem de primeira ordem para os mais necessitados terem alguma qualidade de vida. Com a bicicleta eles conseguiam comprar comida (geladeira era artigo de luxo), levar os filhos para escola, levar a produção para vender na cidade....
Em 1990 a ABRACICLO calculava que o Brasil tinha algo em torno de 4 milhões de bicicletas só no Município de São Paulo, praticamente todas sem uso, jogadas nas garagens. Este número foi tirado de um cálculo feito a partir do número de bicicletas vendidas, o número de anos que uma bicicleta durava em média, a venda de pneus e mais alguns outros dados que não me lembro mais. Fato é que a coisa mais trivial era encontrar garagem de edifícios lotadas de bicicletas empoeiradas e enferrujadas, a maioria tranqueira.
Lembrei de um fato interessante: no último Passeio Ciclístico da Primavera no entorno do Parque Ibirapuera calcularam que apareceram 1 milhão de ciclistas; ou, a distância total percorrida X a largura das avenidas percorridas X o número de ciclistas pelando por área: 1 milhão de ciclistas estimados. Pelo que me lembre a estimativa foi feita pela CET, o mesmo método que usavam para calcular trânsito. O cálculo foi feito porque os ciclistas que saíram na frente estavam chegando e ainda tinha muita gente largando para os 6 ou 7 km de passeio. A loucura foi tanta que decretou aquele ser o último Passeio Ciclístico no entorno do Ibirapuera.
Fato é que o Passeio Ciclístico da Primavera era a festa das bicicletarias que tinham suas oficinas lotadas de bicicletas que saiam uma vez por ano.
Oficialmente em 2005, ou um pouco depois, o número de ciclistas nas ruas que a CET SP contava, se não me falha a memória, algo em torno de 65.000 / dia, foi reavaliado. Recalculado por dois especialistas em vendas, marketing e administração de empresas, usando dados e pesquisas da própria CET, cruzando com dados sobre produção e venda da ABRACICLO, e mais alguns outros disponíveis, chegaram a conclusão que a cidade tinha no mínimo 150.000 / dia e que seria muito possível que tivéssemos mais de 250.000, contando os que eventualmente saiam para pedalar ou que por outras razões eram invisíveis perante as contagens ou mercado, por exemplo trabalhadores que iam ao trabalho de madrugada. O cálculo se provou correto porque numa reunião de trabalho sobre sistemas cicloviários um funcionário graduado da CET SP deixou escapar que na realidade beirava os 350.000. Fato é que a partir de então se começou a trabalhar com os 250.000 ciclistas / dia.
Dado correto mesmo apareceu quando a Secretaria de Esportes e Lazer PMSP fez contagem oficial em alguns fins de semana para dar sustentação legal e política para a criação da Ciclo Faixa de Domingo, que apontou com precisão que em domingo ensolarado São Paulo 1 milhão de ciclistas saiam as ruas.
E as bicicletas empoeiradas, enferrujadas, largadas e esquecidas nos bicicletários dos edifícios e nas garagens das casas? Continuam lá, aos montes, continuam sendo a maioria, poucas de boa qualidade, a maioria tranqueira, muita "lixocleta" como diz Renata Falzoni, bicicletas que não convidam a pedalar, muito pelo contrário, desestimulam.
Quando foi aberta a importação em 1990, sem demora começaram a chegar as primeiras bicicletas importadas, a quase totalidade mountain bikes, o que deu um grande impulso para o surgimento de novos ciclistas. Por outro lado, junto com este fenômeno veio o crescimento da venda de bicicletas de baixo custo "parecidas" com uma mountain bike, muitas de baixa e até baixíssima qualidade.
A bicicleta na foto ao lado está pendurada no relento faz uns 30 anos. É uma montada, provavelmente de 1990, e está bem longe de ser das piores. No mesmo pequeno bicicletário têm outras bem empoeiradas, algumas boas, que saem para a rua muito de vez em quando, quando saem.
Por que estas bicicletas acabavam abandonadas? Óbvio que basicamente por baixa qualidade: o selim era ruim de sentar e não ficava na posição correta, o canote era fino e entortava, o tamanho da bicicleta único, os freios não funcionavam bem, as marchas, ora as marchas... marchas?... Enfim, o feliz proprietário da bicicleta barata saia pela primeira vez, rodava o dia inteiro, voltava arrebentado, quando não com a bicicleta quebrada, encostava (jogava) a bicicleta em qualquer canto e afirmava com todas as palavras e dentes expostos "Eu nunca mais pedalo. Bicicleta é uma merda!" Opa! como ouvi esta e outras frases piores.
A saber, em 1989 um dos fabricantes médios que chegou a vender muito, tinha uma perda em produção que chegou a 30%, o que é um absurdo completo. O poder público, via órgãos reguladores do Governo Federal, não se interessou e não fez absolutamente nada para frear o disparate, mesmo a bicicleta sendo considerada por lei um veículo, portanto devendo responder a normas claras sobre qualidade.
Outro "pequeno" detalhe sobre estas lixocletas: em 2007 dei uma palestra em Araçatuba para concessionárias de rodovias paulistas, que têm tabulado dados precisos sobre acidentes. De um dos diretores ouvi que em torno de 35% das mortes de ciclistas em acidentes em estradas administradas por eles tinham como causa falha mecânica da bicicleta. Umas semanas depois tive uma reunião com dois dos maiores fabricantes de bicicletas do Brasil, falei sobre o absurdo dos 35%, e tive como resposta "Acho é pouco".
Mais ou menos na mesma época consegui convencer dois técnicos de um órgão de controle de qualidade, tipo PROCON, a ir visitar comigo bicicletarias e oficinas de bicicletas nas periferias, onde estas bicicletas precárias são, melhor, eram regra. Na terceira os dois, olhos arregalados com que tinham visto e o número de peças quebradas no lixo, disseram que não precisavam ver mais nada. E não aconteceu absolutamente nada, tudo seguiu igual.
Não resta dúvida que uma das razões para o crescimento das vendas de motos é que a população que tem dinheiro curto entendeu que gastar mais dinheiro com algo que não quebra vale a pena, fora o conforto e a segurança de estar longe de uma bicicleta que sempre acaba na bicicletaria.
Numa bicicletaria grande e popular da baixada santista ouvi do dono que "Se as bicicletas não quebrarem como vou viver?".
A população de baixa renda pedala com que tem. A mais abastada esquece empoeirando e compra uma nova melhor, e um dia dá aquela tranqueira para um funcionário, se der.
Não resta dúvida que bicicleta de baixa qualidade é um problema sério para o próprio setor das bicicletas e para o desenvolvimento da bicicleta como meio de transporte e lazer, portanto do esporte também. Baixa qualidade é um problema seríssimo para todos brasileiros.
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