quinta-feira, 22 de abril de 2021

Lixocleta

Lixocleta; adoro esta definição de Renata Falzoni. E não dá para definir de outra forma: a bicicleta é literalmente um lixo e ponto final. Por mais boa vontade que se tenha é praticamente impossível fazer estas bicicletas rodarem com um mínimo de qualidade, segurança e confiabilidade. Mas... as pessoas compram, tem mercado para elas. "Eu vou pedalar de vez em quando. Não vou fazer nada de especial, é só para fazer um pouco de exercício..." e não há forma de convencer o leigo que não vale a pena, que vai jogar dinheiro no lixo, que vai desestimula-lo, que vai acabar no lixo.
E no meio de uma conversa o feirante, gente simpática, me diz que precisa levar a bicicleta para dar um jeito porque quer pedalar com os filhos pequenos. "Traz que eu coloco ela em ordem". E hoje a bicicleta apareceu. Estava debaixo do tabuleiro, ele puxou, colocou-a em pé, e como estou velho e com isto mais calmo e educado não soltei um sonoro "Puta que o pariu, que merda!"
Levei para casa, comecei a ver o que dava para fazer, e não era muito, aliás...  Fiz o suficiente para ele rodar um pouco e comparar com uma outra, das que se pode chamar de bicicleta mesmo sendo básica. Não vou contar os problemas porque são todos possíveis.
Esta bicicleta (se é que se pode chamar de bicicleta) foi uma das inúmeras marcas produzidas em fabriquetas muito improvisadas, de donos que não faziam a mais remota ideia do que é uma bicicleta. Várias sequer tinham CNPJ, ou seja, não existiam perante a lei. Para se ter ideia do tamanho do problema na década de 90 o Brasil tinha mais de 30 fabricas produzindo estas coisas. 
O resultado desta 'displicência' foi simples: segundo uma concessionária de rodovia do interior paulista (realmente não me lembro qual) nos anos 2000 pelo menos um terço dos acidentes fatais envolvendo ciclistas foram causados por falha mecânica da bicicleta, de bicicletas com esta baixíssima qualidade. Mesmo na foto é possível ver que o garfo 'veio (um pouco) para trás'. O guidão (que eu deveria ter fotografado em separado) é de péssima qualidade e está completamente enferrujado, o aponta para a fabricação com o aço o mais barato possível. Foram muitos os relatos de ciclistas que arrebentaram a cara no chão porque o garfo, guidão e ou o avanço colapsaram. Tem mais os que se cortaram feio a perna porque o pedal quebrou sem mais nem menos... O número de acidentes consequentes da qualidade destas bicicletas foi para lá de normal; um verdadeiro absurdo. 

E fui devolver a coisa. Acredito que o feirante tenha ouvido o que expliquei e minhas palavras finais: "Compra uma nova, não usa esta nem nos sonhos, ou pesadelos". Quando sai para comer pastel um dos garotos que trabalham na banca passou por mim pedalando a coisa, e riu. Quando voltou olhou para mim e riu muito. Sinalizei tipo "gostou" e ele riu mais ainda. Uma bosta! 

Na época que estas bicicletas vendiam feito água veio um pai e pediu para eu dar um tapa que o filho dele iria usá-la. A bicicleta era ruim, mas bem melhor que esta da foto. Dei um tapa muito a contragosto e entreguei a bicicleta dizendo e alto e bom tom: "Você pode. Seu filho não merece isto. Lembre-se que se ele cair vai sair muito mais caro que o hospital". Não fui ouvido. O filho se arrebentou feio, enfiou a cara no asfalto, teve um corte horroroso, quebrou dentes... Poucas vezes em minha vida me senti tão mal.

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