terça-feira, 7 de novembro de 2023

Cansaço, exaustão: respeitar os limites

Exausto!

Durante os dias que pedalei na romaria fiquei bem cansado, mas não como depois que acabou tudo e finalmente entrei em casa. Aí relaxei e baixou um cansaço pesado, a beira da exaustão. A cabeça da gente tem muito a ver com o controle do cansaço, mas não só.

Antes de seguir em frente, quando dou algumas dicas de como contornar o cansaço pesado ou a exaustão, quero afirmar que não sou médico, nem preparador físico ou treinador. Dou dicas que aprendi pela vida, mais de 40 anos de pedal e leitura. Podem ser tentadas por qualquer um, com cuidado e principalmente respeitando os próprios limites. De qualquer forma, recomendo que consulte seu médico, lembrando que médicos respondem legalmente por suas ações. Não raro eles têm posições voltadas para o preventivo do paciente e dele próprio. 

Vivemos num país que só recentemente começou a ter alguma cultura sobre o que é a bicicleta, o pedalar e o ciclismo. É fácil ouvir recomendações que deixam claro, para um bom conhecedor, que quem as emite tem um baixo nível de cultura e conhecimento sobre ciclismo. Incluo entre estes médicos, preparadores e treinadores, e vou incluir até ciclistas que fazem sucesso e ganham para falar besteira. Não faz muito, fez muito sucesso, teve um número enorme de seguidores, uma figura que dizia conhecer tudo sobre ciclismo, mas omitiu que tinha aprendido a pedalar fazia só 6 meses. Inegável, figura inteligente, charmosa, de boa fala, deixou dicas e recomendações que se pode considerar perigosas.   
  
Procure informação, muita informação, de tudo quanto é fonte, cruze informações, cruze com outros esportes, outras atividades físicas, com outras ciências e acima de tudo pense. Já citei o documentário sobre a vida e a carreira de Mark Cavendish e recomendo como ótima referência para o que trato aqui. Não é sobre ciclismo, é sobre o prazer de pedalar. Veja e entenderá.

Um ciclista de preferência maduro, experiente, respeitado, referência para ciclistas que também são respeitados, ajuda e muito. Os que valem a pena ser ouvidos normalmente são tranquilos, não aparentam o que são e sabem, não tem soluções mágicas, não vão recomendar algo que não seja para seu nível ou estágio do pedal. Se falar, vão falar o que é importante para sua segurança e integridade. Quem vale a pena ser ouvido provavelmente NÃO vai dizer para você comprar uma bicicleta último tipo, muito cara, cheia das tecnologias, NUNCA vai dizer que "para ser ciclista e resolver seus problemas de pedal precisa de equipamento completo", todas roupas, capacetes, sapatilhas, luzinhas, e tudo mais que seu dinheiro possa comprar, e principalmente que você deve sair para treinar feito um louco no meio da marginal.
Quem sabe sabe: o que interessa é a técnica, o pedalar correto, o não fazer besteiras, não se machucar. Bicicleta e equipamento são acessórios, vem depois.

Eu respeito profundamente meu médico porque já ouvi inúmeras vezes dele "Não sei. Vou procurar me informar". 

Sempre comece pelo básico, o "b a ba". Um passo por vez. Consolide as boas práticas básicas e só então siga em frente. 

As razões para o cansaço podem ser inúmeras. Óbvio que cansaço tem tudo a ver com condicionamento físico, mas definitivamente não só. 

O erro mais comum entre iniciantes, mas não só, é o sujeito sair para pedalar uma vez por semana, aos domingos, só os ensolarados, e fazer quando muito uns 10 km por passeio, e achar que está preparado para os 180 km de uma romaria. Não faça, ponto final.
 
Encontrei no meio da estrada um casal meio obeso em romaria que estava sentado no acostamento ao lado das bicicletas. Perguntei se precisavam ajuda, disseram que não, e como a cara deles não estava legal puxei conversa. Já tinham pedalado uns 25 km. Pela aparência exausta, se eu pudesse, teria colocado os dois numa ambulância. Perguntei onde eles iriam parar para descansar e responderam que iam direto para Jacareí, uns 65 km adiante. Consegui convencê-los a arranjar uma parada por ali mesmo. A cara de morta-viva da menina fez o namorado se convencer que deveriam parar, mas não sei se cumpriram. Segui em frente bem preocupado. Igual a eles estava cheio. 

Não precisa tanto. Estou farto de ouvir histórias de gente que foi levada pelo melhor amigo para um passeio leve. Odiou. Por que? O passeio leve foi de 40 km na cidade, incluindo subidas, e pedalar no meio do trânsito, o que deixa qualquer novato estressado, o que por sua vez suga todas as energias.

Vai com calma. Ficar cansado é uma coisa, muito cansado ou exausto é outra, bem diferente, não muito recomendável. Passar do limite da exaustão nem quando está vencendo o campeonato. Mesmo numa competição oficial, o ideal é que você termine próximo do limite. Só com muito treinamento é que se aprende até onde se pode chegar. Ultrapassar o limite nunca, jamais! A questão é afetar o coração e ter problema para toda a vida.

Bom, mas qual é o ponto, onde está o limite? Varia de pessoa para pessoa.

Uma professora de spinnig sem prática de pedalar uma bicicleta normal fez sua primeira pedalada em grupo na rua num passeio que eu estava. Avisei que ela iria cansar, para o guia ir com calma, e tiraram sarro de mim. No fim do passeio ela estava visivelmente cansada e na frente de todos veio me agradecer por tê-la acompanhado. O que houve? Medo, ansiedade, pouco conhecimento de uma bicicleta normal e do pedalar em grupo. Força e resistência ela tinha de sobra, mas não basta.
A saber, os melhores ciclistas do planeta recebem treinamento para que a ansiedade não roube as forças nos últimos metros de uma longa subida. Estou falando de ciclistas que participam de Tour de France, Giro d'Italia, Vuelta de España, e outras. Somos todos humanos, todos cansamos por uma razão ou outra, até pela cabeça pensando besteira ou não treinada.

Já passei algumas vezes do limite e afirmo com todas as letras: não faça, não perca o respeito por si próprio, não maltrate desnecessariamente seu corpo, não se lesione, não prejudique o futuro de uma vida sadia. Não vale a pena, é estúpido! Respeite seus limites. Divirta-se sem deixar qualquer sequela.

Chegou perto da exaustão pare. 
Que fique bem claro: zero vergonha se sentir mal, zero! A maior idiotice que se pode fazer é dar uma de herói, de invencível, de eu sou o bom.

Quando o cansaço bate, repito: cansaço, e não dá mesmo para parar, pode-se e deve-se usar todos recursos possíveis, mas precisa saber o que e como fazer correto, ou pode ficar pior ainda.
Diminuir o ritmo é obrigatório, mas pode não bastar. Se baixar demais o ritmo pode gerar um sentimento de derrota, o que mina completamente as forças. Um ritmo bem leve e constante pode ajudar a estabilizar o organismo, mas precisa ser preciso no pedalar, na cadência, no trocar de marchas, no deixar a bicicleta rolar. Aprenda e treine no dia a dia, quando você está descansado, para poder aplicar nos momentos difíceis. Ou seja "b a ba". 

Em hipótese alguma use alguma substância para "religar" seu corpo, mesmo que seja energético. Leia a respeito. 
   
Não morra pela boca. Fazer uma refeição no momento errado ou pela escolha errada do que comer pode ser tão prejudicial quanto não comer. Ou não hidratar-se adequadamente, um erro tão grosseiro que nem vou falar (mas que já fiz aos montes. Burro!)

Já tinha pedalado tranquilamente 40 km quando parei para almoçar. Faltavam 60 km para o destino final, peguei de volta a bicicleta, pedalei mais uns poucos km e as forças simplesmente acabaram. Maldito almoço na hora errada, ou na dose errada, ou ainda a escolha errada, não sei o que, talvez tudo junto. A questão naquele momento é que ou seguia pedalando ou pegaria uma tempestade com raios, que de fato caiu logo depois que cheguei ao hotel. Foi um pedal duro, pesado, exaustivo. Maldito almoço! A técnica do fazer bem me salvou.
Como pedalar numa situação destas? Se não tiver prática recomendo seriamente que pare e espere até sentir-se melhor. Que minha família não ouça, deveria ter parado. Continuei porque tenho anos de pedal, de leitura, de aprendizado e, sobre tudo, diabetes, que me obrigou a ouvir meu corpo e respeitar limites. Repito, se a comida caiu mal, pare e espere até voltar ao normal.

Não aguenta mais, mas tem que continuar? Faça um giro de pedal que usa o peso das pernas para seguir em frente. Reduza ao máximo o uso da força, use a inércia das pernas para seguir em frente. Experimente no dia a dia deixar que o peso das pernas gire os pedais. É uma sensação deliciosa. Ciclistas profissionais usam esta técnica com muita frequência.

Estamos num momento da história que tudo está muito acelerado. As pessoas estão passando por cima do cansaço e exaustão com muita frequência, os dados da Organização Mundial da Saúde provam isto. Aprenda a ouvir seu corpo e sua cabeça. Controlar o cansaço é algo que se deve fazer nas coisas mais triviais no dia a dia. Busque informação sobre o que é "ócio produtivo" e pratique, faça dele uma regra para sua vida, seus resultados serão muito melhores em tudo. 
Jeff Galloway, respeitado maratonista de ponta, criou a técnica run walk run. Procure, leia, é mais que interessante, é essencial. 

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