Foi com a primeira bicicleta com freio a disco que tive. Nunca tinha mexido num freio a disco, então peguei o manual, li inteiro, e regulei como manda. Depois de rodar alguns poucos km na cidade, onde funcionou com perfeição, parti para um cicloturismo relativamente curto, algo em torno de 180 km, mas com uma altimetria pesada, qualquer coisa em torno de 3.500 metros. No meio do penúltimo dia, no topo de uma montanha, cheguei praticamente sem freio. Fiz o que pude, o que me lembrava de ter lido no manual e fiquei com um poder de frenagem parecido àqueles freios ferradura em aço. Para quem nunca (felizmente) pedalou com um destes, explico: mesmo devagar você freia com todas as forças um sistema borrachudo que nunca sabe onde e quando vai parar. Descidas? Ou entra devagar, quase parando, ou a bicicleta vai desembestar sem controle. Então, meu freio a disco ficou assim.
Tomei uma tremenda bronca de meu velho amigo e companheiro de viagem por não ter revisado a bicicleta antes de sair. Expliquei que a bicicleta e os freios (a disco) eram novos, zero km, mas não adiantou.
O último trecho de viagem tive que enfrentar uma daquelas descidas longas, das com placas avisando para usar o freio motor, completamente na banguela, completamente sem freio, uma das mais assustadoras situações que vivi como ciclista. Detalhe, o trecho estava em obras e tive que ir para a esquerda e descer na pista dos carros que vinham a 100 km/h.
Em Jacarei entrei numa bicicleta muito simples, pedi para consertarem, a dona disse que não tinha aquelas pastilhas, mas para minha sorte saiu da oficina um garoto que ouviu a história, olhou, avisou que as minhas pastilhas tinham acabado e se eu quisesse ele faria uma ganbiarra que me permitiu ir até a rodoviária, e da rodoviária de São Paulo chegar a passo de lesma seguro em casa.
Já contei esta história aqui, mas tomando banho sei lá porque ela voltou inteira da minha memória. Aliás, sei porque. Gambiarra.
O problema que tive foi de defeito de fabricação das pastilhas, que acabaram com menos de 180 km. Não, não eram vagabundas, mas de marca respeitada pela qualidade.
O meu erro foi tentar arrumar pensando nos termos do manual de proprietário. Eu deveria ter parado, me acalmado, e inventado alguma solução anormal que funcionasse. Provavelmente se estivesse só faria, mas com meu velho, querido e muito difícil amigo por perto não dava.
Voltando aos malditos freios ferradura de aço acionados em aros de aço cromado. Fazendo um monte de ganbiarra freiava um pouco melhor, digo como exemplo aleatório, em vez de parar a bicicleta em 10 ou mais metros, parava a bicicleta em 7 metros. Comparação: com um freio a disco popular pararia a mesma bicicleta em 2 metros, se tanto. Se um dia tiver a oportunidade, pedale com uma bicicleta da década de 60 ou 70 e vai entender o que escrevo aqui, mas vá devagar.
Óbvio que os manuais técnicos estão corretos, mas dentro das condições ideias que o fabricante imagina, quer, ou lhe é rentável. Mecânicos trabalham (mais ou menos) nos parâmetros do fabricante por uma razão simples: dar um jeitinho, fazer uma gambiarra, leva tempo e tempo é dinheiro. Eles vivem daquilo.
Agora, você, como eu, no meio do nada, com uma mão na frente outra atrás, vale qualquer coisa. Gambiarra na cabeça!