quarta-feira, 5 de março de 2025

Elder's cofin

Ganhei de presente revistas inglesas sobre ciclismo trazidas direto de Londres pela Cristina. Gostei, agradeci, mas folheando decobri que não fazem o menor sentido para quem sou eu agora. As duas são maravilhosas, muito bem escritas, programação visual ótima, mas para um público que pedala chique e caro, o que definitivamente não é o meu caso.

I'm (not) on the mood of a elder's cofin, ou, numa tradução completamente livre,  eu (não) estou afins de morrer (entrar no caixão do velho). Ou, encanixando aqui, parar de pedalar.

Um dos melhores mecânicos de bicicleta estava com uma estradeira top de linha, muito cara, tão surrada que dava dó. O pedivela tinha dentes bem estragados, apontando para um ciclista, seu dono, que pedala sem o menor respeito pela técnica, dos que acreditam que o que vale é a força bruta, melhor, estúpida. O mecânico viu minha cara de espanto, ou raiva, não sei bem, e disse rindo "É disto que eu gosto. É o que dá dinheiro".
Ele é dono de uma das boas bicicletarias, mas só trabalha as top ou as elétricas mais sofisticadas. Destruídas por mal uso é o que mais aparece. E ele está feliz, pelo menos no lado financeiro, porque tem toda consciência que aquilo tudo é um crime. Pedalar ensina respeito, ou pelo deveria ensinar.

O mercado agora virou o que? 

De volta para casa me enfiei na leitura das revistas inglesas recém chegadas. Já li e ouvi que o busines ou são bicicletas elétricas, ou são as muito caras, principalmente as de estrada e as gravel. Gravel, nome novo e bonito para as velhas e boas ciclocross, agora para iniciantes e urbanos de toda espécie,  mas com dinheiro. Estas revistas inglesas que ganhei são todas recheadas de bicicletas caras e tentadoras, que carregam com si um sonho, que por sua vez implica em sapatilhas, capacetes e outros apetrechos caros, é  obvio. Quer fazer parte da turma? Então fantasia.


Completamente fora dos meus sonhos atuais, ou da realidade bang-bang deste Brasil. Meu e da maioria dos brasileiros que gostam de bicicletas. A única que me chamou atenção foi uma gravel de baixíssima produção, inglesa, de titânio, mas, ups! tô fora. Por que? Primeiro preço, segundo que saiu com uma destas a probabilidade de tomar um cano ou bala cresce muito além do prazer de pedalar.
Alguns artigos são sobre esportes de alto rendimento ou radicais, com fotos lindas de se ver, mas completamente fora da realidade minha e da maioria. 

Olho aquilo tudo e, pensando na história, sei que é um jogo perigosíssimo para o setor. Já fizeram uma aposta alucinada na pandemia, que quase quebrou todos. Apostar num público de alta renda foi um tiro no pé mais de uma vez. Só será uma boa jogada caso o setor tenha um olho na história e use esta referência para dar um salto para o grande público. Lembro que os tempos são outros.

Será que ter uma revista para gente normal não funciona? Será que já existe. Lá pelos primeiros anos de 90 as revistas eram direcionadas para a formação de novos usuários da bicicleta. Por um tempo foi publicada nos Estados Unidos uma revista voltada para as híbridas, com textos bem para principiantes. A qualidade da informação era precisa, rica, direcionada para o público geral. As revistas inglesas que tenho em mãos são para um público muito restrito, este é meu ponto. 

A sutileza em toda esta conversa está exatamente nas bicicletas lindas, caras e moídas por seus donos. Minha experiência de vida me diz que eles não passaram pelo básico, o b a ba. Os dentes machucados da coroa do pedivela grita pelo seu dono ciclista: sabe com quem está falando? Desculpem, mas é tudo que ciclismo não é. Bicicleta tem muito de "unidos vencemos". 

Quem é normal? Ninguém. Ok. Gente comum, ciclista comum, dos que querem simplesmente pedalar, sem frescuras. Ou talvez a grande maioria.
Maltratar a coitada da bicicleta? Sei que a maioria não se preocupa muito com cuidados; simplesmente gosta ou precisa pedalar. As milhões de bicicletas na Holanda que o digam.  

Algumas postagens atrás contei sobre um amigo, ciclista de bicicleta cara, gente de grana boa, que teve que usar a bicicleta xumbrega, mas correta, da namorada, e voltou enamorado... pela xumbrega. Contou com sorriso de prazer que não se embrava mais a verdadeira sensação de pedalar, simplesmente pedalar, com desprendimento e prazer.

O que me incomoda, e muito, é esta desconexão com as coisas e sentimentos mais básicos, simples. Aliás, é uma discussão que está sendo colocada em pauta até pela Organização Mundial da Saúde. Talvez eu esteja pensando correto.