terça-feira, 25 de março de 2025

Bicicleta salvou minha vida

Bicicleta salvou minha vida, esta é uma afirmação que li e ouvi inúmeras vezes, de diversas pessoas, e que em vários sentidos está correto, condiz com a verdade, não tem nada de piegas. No geral, no dito popular, se refere aos benefícios, que numa visão mais racional, são uma mistura de melhora geral de qualidade na vida pessoal. 

Tive três pré comas glicemicas antes de se descobrir que minha curva glicemia não era exatamente uma curva, mas um zigue-zague. Durval Rosa Borges, respeitado laboratorista, quando viu os resultados mandou refazer tudo, o que só confirmou. Eu fui diagnosticado com hipo-hiper glicêmico. Como foram as minhas três pré comas glicemicas? Uma brincadeira chamada "caimbra integral", em outras palavras, o corpo entra todo em caimbra em poucos minutos. A sensação é desagradável, para dizer o mínimo, principalmente porque quem está em volta entra em pânico vendo um corpo se retorcer todo.

A partir do ponto que a bicicleta entrou para valer na minha vida minha condição clínica melhorou e muito.

Em Roma, fim do ano passado, onde fiquei um mês e meio a trabalho e praticamente só caminhei, ficou patente a importância crucial do pedalar para minha estabilidade geral.

Conheci vários casos de pessoas que o pedalar acabou fazendo parte do tratamento clínico. Há farta documentação científica sobre o assunto. Os resultados são surpreendentes, num âmbito muito maior do que de uma doença específica. 

A história de introduzir a bicicleta para diminuir o número de veiculos motorizados circulando é só uma pequena parte do porque se vem forçando o aumento do número de cidadãos pedalando. Uso da bicicleta leva a uma diminuição de vários custos sociais e econômicos, o que na decisão final das autoridades pesa muito.

E agora que estou velho, posso dizer com certeza que a bicicleta me salvou duas vezes a vida. A primeira é que sem pedalar a diabetes já teria acabado comigo. A segunda é que aos 14 anos de idade, pedalando, acabei fazendo besteira, perdendo o controle e batendo de frente numa árvore, uma perna para cada lado e o saco em cheio. Ali acabou qualquer possibilidade de ter filhos. Mesmo que tenha ouvido algumas vezes que eu teria dado um bom pai, agradeço que a vida não tenha me feito pagar para ver. Dois a zero. Espero pelo menos ter sido bom para os outros, uns tantos que tratei como filhos. Bom não, util, pai ou mãe devem ser mentores, tem que ser util para os mais novos e inexperientes. Bicicleta e o pedalar aprendendo e respeitando a boa técnica me trouxeram à boa maturidade. Três a zero. 
Se tivesse filhos estaria surtando, mais do que já estou, apavorado com os descaminhos que estamos tomando faz muito. Pai e avô pirata, que sou, passo noites mal dormidas pensando neles, em todos nós, e nos outros, sei lá quem, incluídos. Tenho dificuldade em ver otimismo nesta baderda absurda que nos metemos.
 
Agora mesmo, neste começo de madrugada, se eu tivesse juízo, ou se fosse menos disciplinado, no mal sentido, o de amarrado, pegaria a bicicleta e fugiria sei lá para onde. Bicicleta me traz paz. Nunca pedalar foi tão importante para minha salvação. Bicicleta salva minha vida.

quinta-feira, 20 de março de 2025

Normas ABNT

Rádio Eldorado FM
Vencer Limites, Luiz Alexandre Souza Ventura


Espero que as normas criadas pela ABNT funcionem de fato para melhorar a vida de pessoas com necessidades especiais. No caso das bicicletas acabou não funcionando tão bem, e a razão é simples: detalhismo sem fim e falta de fiscalização.

A lei brasileira obriga um detalhamento que torna qualquer norma nada prática ou, pior, irreal, pelo menos este foi o problema para o setor da bicicleta e provavelmente deve acontecer o mesmo com outros setores.

A saber, quando foi aprovado a normalização para o setor de bicicletas as concessionárias de rodovias do interior de São Paulo, que tinham e segue tendo dados precisos sobre acidentes, afirmavam que uns 35% das mortes de ciclistas em rodovias eram resultado de falha mecânica da bicicleta. Absurdo.
Como venho a um bom tempo acompanhando pessoas com necessidades especiais, a maioria idosas, sei que há muito problema de qualidade no que usam e necessitam. Sinceramente espero que as normas ABNT para eles funcione. A saber, em 2007 ouvi de um funcionário da Prefeitura que lidava com este público, que São Paulo tinha algo em torno de 500 deficientes que sequer conseguiam sair de casa. Na época se estimava um público total de aproximadamente 15% da população paulistana, e brasileira. 

Mesmo com a aprovação das normas de qualidade ABNT, no caso da bicicleta demorou para mudar e mudou por outras razões que não só pela criação da norma. A fiscalização é praticamente nula, o nível de detalhamento irracional, repito. O sério problema da baixa qualidade não foi todo resolvido.

Sem fiscalização eficiente, esquece. Como tudo, as normas vão ser cumpridas quando der, se forem. Tem norma que cola e tem norma que não cola, este é o Brasil.


Em Werneck, Rio de Janeiro, conheci um mecânico de bicicletas que fazia absolutamente tudo sem os dois braços. Ver ele montando uma roda, trabalho complexo, simplesmente mudou minha vida.

Hoje não tenho dúvida que este pessoal com necessidades especiais sobrevive como super heróis.

sábado, 15 de março de 2025

Roubaram a bicicleta e, milagre, devolveram

Roubaram a bicicleta dentro da casa da moça. Um grupo fechado de ciclistas da internet foi acionado e publicou foto da bicicleta. Não demorou muito foi devolvida. Interessante. E curioso. 
Como o sujeito sabia que havia uma bicicleta na casa? Por ocasião? Estava passando na rua e viu a ciclista entrando? Um vizinho contou? Ele era vizinho? Pedalou junto com ela? A conhecia? Amigão? 
Como e porque se sentiu ameaçado se ser pego? Pego por um grupo restrito da internet? Que mais?
Fazia parte do grupo da mídia social?
Mui amigo? Ou um terceiro, também mui amigo que conhece o meliante e resolveu o embrólio para não piorar mais ainda a situação?

Leve em consideração o que falo e pergunto, ao mesmo tempo não leve em consideração. Só pense.

Tudo pode ser verdade. Ou não.
Confie desconfiando.

A possibilidade de um ladrão ser pego ou da bicicleta voltar para o dono original aqui nesta baderna de país deve ser mais ou menos parecida com a de tirar na mega sena. Eu aplaudo em pé o trabalho da polícia que outro dia apreendeu 2.000 celulares roubados, mas bicicleta e seus ladrões não estão na pauta do dia, o que é um erro. Quem diz são as autoridades holandesas, e de várias capitais do mundo, lidando agora com mais um problema que virou gigante. Roubo de bicicleta é coisa séria.
 
Fato é que já tive o desgosto de ter bicicletas roubadas ou ver bicicletas de amigos roubadas, e das que pude descobrir ou pegar de volta, de suas histórias algumas me surpreenderam, muito, mais que o fato do roubo em si.

Um dia um amigo levou um outro amigo para fazer compras no era então a bicicletaria mais completa da cidade de São Paulo. O convidado quase caiu de costas com a absurda variedade de bicicletas nacionais e importadas, mais peças e componentes, tudo que se possa imaginar, incluindo o que não se encontrava em lugar nenhum aqui, só lá fora, USA. A bem da verdade ninguém naquele Brasil de raras importações tinha um estoque tão farto e variado. Pequeno detalhe: tudo produto de roubo. 
A amizade dos dois acabou imediatamente.

Infelizmente com esta história acabaria descobrindo que sempre foi repetição de fato muito mais comum do que, como cidadão brasileiro não queria ter sabido e muito menos ter deixado passar. Como cidadão deveria ter ido atrás, mas não fui. Minha amizade com o cliente da dita "bicicletaria" esfriou, virou formalidade social, e foi só.

Uma bicicletaria fez uma importação de bicicletas de triathlon top de linha, Quintana Roo Kilo, a papel fina da papa fina de então, começo dos anos 90. Uma perua parou na porta da bicicletaria, dela desceu um cara bem apessoado e vestido, que entrou, esperou sair um cliente, avisou o assalto e limpou todo estoque destas bicicletas, muito especiais, de baixa fabricação, numeradas, etc..., teoricamente fáceis de rastrear e recuperar. Sumiram, desapareceram, nenhum rastro, nunca mais se soube. Levaram para outro estado? Tiraram do país? Ninguém viu, ninguém soube?

No bicicletario do Pacaembu estava minha bicicleta estacionada, ao lado uma bicicleta muito simples, mas tratada com muito carinho, limpa, polida, pintura brilhante, e ao lado dela uma Senna, edição especial criada pelo próprio Senna, que é uma maravilha, um sonho, mas suja. As três bem trancadas. Quando sai da piscina o dono da bicicleta simples estava desesperado porque tinha sido roubada. A minha e a maravilhosa Senna continuavam lá. O cara roubou a mais bonita. Ninguém viu. Os seguranças acharam estranho que entraram três com duas bicicletas e saíram três com três bicicletas. 

No estacionamento de bicicletas do Shopping Iguatemi a bicicleta de uma amiga, especial e única no Brasil, foi roubada. Ela trabalhava lá e ia todos dias pedalando aquela bicicleta. Nas câmeras de segurança ninguém conseguia acreditar que o sujeito tivesse conseguido estourar aquele U-lock. Pagaram bicicleta e trava roubadas, que demoram para vir dos Estados Unidos. Voltou a ir pedalando para o trabalho no mesmo shopping, e passado pouco tempo a nova bicicleta também foi roubada. O marido é do meio da bicicleta, mesmo assim foi impossível descobrir onde e com quem foi parar. A única coisa certa é que foi uma encomenda. Carta marcada. E ladrão profissional. Ladrão profissional de bicicletas? Sim, um que ninguém sabe, ninguém viu, mas recebe encomendas.

Todas estas histórias tem um elemento em comum: alguém silenciou, ninguém viu, ninguém sabe.

Comprar produtos roubados é fato trivial aqui no Brasil, em todos níveis sociais que se diga. Procedência indeterminada. O mesmo que comprar pirataria, que também ninguém sabe a procedência.

A principal razão de todas violências, de todos tipos e formas, está principalmente no silêncio de quem sabe sobre algum delito e não denuncia. "Dedo duro não pode" diz a regra. Não pode? Tentar fazer o certo não pode? Denunciar uma violência não pode? Apontar para o canalha que esfaqueia pelas costas não pode?
Upa!

quarta-feira, 5 de março de 2025

Elder's cofin

Ganhei de presente revistas inglesas sobre ciclismo trazidas direto de Londres pela Cristina. Gostei, agradeci, mas folheando decobri que não fazem o menor sentido para quem sou eu agora. As duas são maravilhosas, muito bem escritas, programação visual ótima, mas para um público que pedala chique e caro, o que definitivamente não é o meu caso.

I'm (not) on the mood of a elder's cofin, ou, numa tradução completamente livre,  eu (não) estou afins de morrer (entrar no caixão do velho). Ou, encanixando aqui, parar de pedalar.

Um dos melhores mecânicos de bicicleta estava com uma estradeira top de linha, muito cara, tão surrada que dava dó. O pedivela tinha dentes bem estragados, apontando para um ciclista, seu dono, que pedala sem o menor respeito pela técnica, dos que acreditam que o que vale é a força bruta, melhor, estúpida. O mecânico viu minha cara de espanto, ou raiva, não sei bem, e disse rindo "É disto que eu gosto. É o que dá dinheiro".
Ele é dono de uma das boas bicicletarias, mas só trabalha as top ou as elétricas mais sofisticadas. Destruídas por mal uso é o que mais aparece. E ele está feliz, pelo menos no lado financeiro, porque tem toda consciência que aquilo tudo é um crime. Pedalar ensina respeito, ou pelo deveria ensinar.

O mercado agora virou o que? 

De volta para casa me enfiei na leitura das revistas inglesas recém chegadas. Já li e ouvi que o busines ou são bicicletas elétricas, ou são as muito caras, principalmente as de estrada e as gravel. Gravel, nome novo e bonito para as velhas e boas ciclocross, agora para iniciantes e urbanos de toda espécie,  mas com dinheiro. Estas revistas inglesas que ganhei são todas recheadas de bicicletas caras e tentadoras, que carregam com si um sonho, que por sua vez implica em sapatilhas, capacetes e outros apetrechos caros, é  obvio. Quer fazer parte da turma? Então fantasia.


Completamente fora dos meus sonhos atuais, ou da realidade bang-bang deste Brasil. Meu e da maioria dos brasileiros que gostam de bicicletas. A única que me chamou atenção foi uma gravel de baixíssima produção, inglesa, de titânio, mas, ups! tô fora. Por que? Primeiro preço, segundo que saiu com uma destas a probabilidade de tomar um cano ou bala cresce muito além do prazer de pedalar.
Alguns artigos são sobre esportes de alto rendimento ou radicais, com fotos lindas de se ver, mas completamente fora da realidade minha e da maioria. 

Olho aquilo tudo e, pensando na história, sei que é um jogo perigosíssimo para o setor. Já fizeram uma aposta alucinada na pandemia, que quase quebrou todos. Apostar num público de alta renda foi um tiro no pé mais de uma vez. Só será uma boa jogada caso o setor tenha um olho na história e use esta referência para dar um salto para o grande público. Lembro que os tempos são outros.

Será que ter uma revista para gente normal não funciona? Será que já existe. Lá pelos primeiros anos de 90 as revistas eram direcionadas para a formação de novos usuários da bicicleta. Por um tempo foi publicada nos Estados Unidos uma revista voltada para as híbridas, com textos bem para principiantes. A qualidade da informação era precisa, rica, direcionada para o público geral. As revistas inglesas que tenho em mãos são para um público muito restrito, este é meu ponto. 

A sutileza em toda esta conversa está exatamente nas bicicletas lindas, caras e moídas por seus donos. Minha experiência de vida me diz que eles não passaram pelo básico, o b a ba. Os dentes machucados da coroa do pedivela grita pelo seu dono ciclista: sabe com quem está falando? Desculpem, mas é tudo que ciclismo não é. Bicicleta tem muito de "unidos vencemos". 

Quem é normal? Ninguém. Ok. Gente comum, ciclista comum, dos que querem simplesmente pedalar, sem frescuras. Ou talvez a grande maioria.
Maltratar a coitada da bicicleta? Sei que a maioria não se preocupa muito com cuidados; simplesmente gosta ou precisa pedalar. As milhões de bicicletas na Holanda que o digam.  

Algumas postagens atrás contei sobre um amigo, ciclista de bicicleta cara, gente de grana boa, que teve que usar a bicicleta xumbrega, mas correta, da namorada, e voltou enamorado... pela xumbrega. Contou com sorriso de prazer que não se embrava mais a verdadeira sensação de pedalar, simplesmente pedalar, com desprendimento e prazer.

O que me incomoda, e muito, é esta desconexão com as coisas e sentimentos mais básicos, simples. Aliás, é uma discussão que está sendo colocada em pauta até pela Organização Mundial da Saúde. Talvez eu esteja pensando correto.