Em 1976 decidi subir por terra
até os Estados Unidos. Na época era o sonho de todo alternativo ou meio hippie.
De trem, de ônibus, de carona, a pé, mochila verde militar de cordura nas
costas. Não me passou pela cabeça ir pedalando, o que foi uma pena, mas na
época não se pensava em bicicleta.
Em Cuiabá, onde cheguei de
trem, conheci um suíço, Bernard Zen-Ruffinen, que viajava só com uma pequena
bolsa, um pouco maior que as que usamos para ir ao clube. Eu, como todo bom
brasileiro, carregava nas costas uma mochila estilo militar, que é o que existia
na época, grande, pesada, cheia de coisas que imaginei que precisaria, mas
nunca usei. Bernard estava sempre muito bem vestido, fizesse calor ou frio,
estivesse caminhando ou hospedado na casa de uma família tradicional em Santa
Cruz de la Sierra, cidade linda. Questão cultural. Eu não. Minhas roupas de
frio eram volumosas, pesadas, sem graça, pior, não funcionaram direito no frio
para valer. Eu carregava várias calças, camisetas, camisas, meias..., roupas
que além de ser não apropriadas para a situação eram volumosas e pesadas.
Poucas vezes tive tanta inveja de alguém, e sigo tendo.
Toda vez que preparo a
mochila, mala ou alforje para viagem coloco tudo separado por uso e necessidade
sobre a cama, deixo lá, vou fazer outra coisa, volto, olho bem, me lembro da malinha
do Bernard, e tiro o que posso. Mesmo assim acabo voltando para casa sem usar
alguma coisa. Recomendo a leitura dos livros de Marie Kondo,
principalmente o “A mágica da arrumação” – que é mágica mesmo!
Um amigo está se preparando
para fazer uma viagem longa em bicicleta. Fizemos uma viagem teste para
bicicleta e tudo mais que ele pretende levar. Muito detalhista e apaixonado por
estudar a fundo tudo o que faz, ele montou a bicicleta com tudo o que é
necessário mais tudo para o que "pode" acontecer. Antes de sair
felizmente se convenceu que algumas ferramentas eram desnecessárias, dentre
elas as chaves combinadas de boca (que qualquer oficina biboca tem) e as para
extração de movimento central, grandes, pesadas e por minha experiência
completamente desnecessárias. A questão é que onde ele vai pedalar tem
bicicletaria boa por perto, mesmo que isto signifique a alguns km de distância.
Tirar este saco de ferramentas significou uns 3 quilos a menos. No meio da
viagem peguei ele sentado e olhando fixo para a pesada bicicleta, 45 quilos
total. Perguntei o que tinha acontecido e ele respondeu firme "Dá para
tirar mais uns 10 quilos". Assim que se faz.
Bicicleta de boa qualidade
dificilmente quebra. Aliás, qualquer bicicleta se bem montada e pedalada com
respeito dificilmente dá problema. Andei fazendo viagens de 200 km nestes
últimos tempos até com minha mais simples bicicleta, uma Decathlon 200 surrada,
minha bicicleta de poste, com seus aros folha simples, câmbios os mais básicos,
pedais de plástico importados (os nacionais são frágeis, ruins), etc... e fui e
voltei sem qualquer problema, zero. O segredo está numa montagem cuidadosa e um
bom ajuste geral. Não tem segredo. E aí ferramentas, até mesmo as mais básicas,
são quase que dispensáveis. Não as dispensamos por neurose, esta é a verdade.
Como nossas estradas e seus
acostamentos são muito sujos, com muito detrito, fiapo de pneu de caminhão,
vidro e outros elementos cortantes e que causam furos, a única coisa que não se
pode escapar é levar mais câmaras de pneu e remendos que o desejado, que é um infeliz
peso a mais. Quem já teve quatro furos seguidos em 30 km sabe como é - isto com
pneu e câmaras novos.
Não existe prazer maior que no
meio da viagem você olhar a bicicleta e falar para si próprio "A bicicleta
está enxuta, tá leve, só tenho o que realmente preciso. Que viagem boa!"
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