Antes da chegada das mountain bike no Brasil, quando o número de ciclistas deu um grande salto, era fácil contar quem pedalava e muito mais fácil ainda quem se interessava por fazer política e ajudar a organizar a questão da bicicleta em São Paulo. Depois de minha Covid não arrisco colocar todos nomes aqui, mas não creio que chegassem a 10 pessoas, 9 homens e Renata Falzoni. A representatividade dos ciclistas era mínima, insignificante, até risível, mas que nós esperneávamos nós esperneávamos; entenda-se, esperneávamos nas pouquíssimas reuniões da Prefeitura que conseguíamos participar. "Lá vem os chatos!" talvez tenha sido a frase que mais ouvimos nesta época. Fora disto, metíamos a mão na massa saindo para pedalar e descobrir o que poderia ser feito na cidade pela bicicleta e para o ciclista.
Os chatos ou os loucos, como éramos chamados, não fizeram pouco. Ainda na década de 80 começamos a enviar manifestos políticos, conseguimos ser recebidos por secretários e até prefeito, Covas em 1983, ser entrevistados por rádios e TVs, propor leis, e em alguns casos melhorar a qualidade de algumas bicicletas e acessórios brigando com os fabricantes.
Com a abertura da importação e a moda do mountain bike a pressão aumentou, muito em parte porque muitos dos que nos consideravam loucos descobriram que pedalar era de fato uma loucura para lá de divertida e saudável, ou seja, não era tão louca assim. Virou moda, simples assim. Os passeios noturnos rapidamente começaram por toda a cidade, o maior deles guiado por Luizinho da Trilha saindo do Tremembé chegando a ter mais de mil um feito para a época. A matéria da Veja SP que está abaixo é sobre o Night Bikers, o primeiro a ser oficialmente criado em 1988, o grupo que ensinou o caminho para todos.
Só um detalhe: o Passeio Ciclistico da Primavera, que acontecia uma vez por ano, começou acabar quando partiram, segundo a divulgação oficial, um milhão de ciclistas do Ibirapuera. Eu estava no carro de som e vi quando os ciclistas estavam chegando do passeio e o pessoal do fundão ainda não tinha partido.
Voltando ao ativismo, o número de ciclistas circulando a noite pela cidade explodiu, mas os que faziam ativismo político continuou praticamente o mesmo. Aparecia um novo ativista aqui, outro lá, começaram a entrar no grupo especialistas, um pouco depois organizações internacionais, I-ce holandesa, GTZ alemã, ITDP americana, mais que reforçaram a luta, fizeram o cenário mudar de dimensão. Passamos a ser ouvidos. Mais ou menos nesta época nós, paulistanos, descobrimos que não estávamos sós, mas que haviam outros ativistas espalhados pelo Brasil, em especial no Rio de Janeiro, Blumenau, Florianópolis e Santos. De novo, desculpem se minha Covid fez esquecer outros.
Um dia este pessoal se reuniu no Rio de Janeiro e fundou a União dos Ciclistas do Brasil. Foi aí que nos conhecemos pessoalmente. A amizade segue firme até hoje, mesmo com discordâncias, algumas bem sensíveis.
Com o Projeto GEF - Banco Mundial para ciclistas trabalhadores de baixa renda da periferia que reunia em reuniões pela primeira vez na história do Brasil todos órgãos oficiais, representantes de organizações internacionais e sociedade civil, os ciclistas houve uma nova compreensão de como agir e conseguir resultados. Creio que ali nós, ciclistas, deixamos de ser simplesmente os chatos. Pelo menos em São Paulo estava aberta a porta no poder público.
União dos Ciclistas do Brasil ganhou força, o movimento se espalhou rapidamente pelo país com a entrada de uma nova e numerosa geração de ciclistas que reivindicaram de maneira notável e barulhenta direitos para os ciclistas em geral.
A história completa e mais apurada do cicloativismo no Brasil ainda precisa ser levantada e contada, coisa que a União dos Ciclistas do Brasil estáprovidenciando. O que conto aqui é um breve e até um pouco impreciso relato do que eu me lembro. Só posso dizer que não foi fácil, mas foi uma briga divertida
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