quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

Mercado top e mercado pop


O sonho de todos normais é viver as emoções dos bons, mitos, heróis, dos profissionais, daqueles que fazem coisas que parecem impossíveis. Foi assim desde os tempos imemoráveis; sonhos e desejos transmitidos via oral num passado longínquo, depois por escrita, rádio, TV e hoje através de mídias sociais. A humanidade chegou aqui porque sempre se aproveitou o famoso "nada se cria, tudo se copia", ou seja, aproveitou as referências. Precisamos de referências para viver, sobreviver, crescemos com elas, nos fortalecemos nelas. Não é diferente com os ciclistas normais ou amadores, aliás também com os profissionais e campeões.
A escolha da bicicleta, acessórios, equipamentos de segurança e roupas normalmente vai ter como base referências mais diversas: o que alguém viu, provou ou gostou, as modas. Não importa muito que seja só para melhorar a aparência, satisfazer o ego, para o status, para ser incluso num grupo social, ou para o que seja.

Foi e continua sendo assim com as mountain bikes, verdadeiras ou falsas, e as 21 marchas, por muito tempo sonho de todo principiante. A maioria não fazia e continua não fazendo ideia de como usar tantas marchas, usando só umas duas ou três, pedalando sem cadência, mas com orgulho de ter 21 marchas. O mundo gira e a bicicleta roda, nada para e o chamariz ficou cada dia mais sofisticado; e assim vieram as 24 marchas, as 27 marchas, e as 30, mesmo com a maioria dos ciclistas só usando duas ou três marchas. Quanto mais marchas ou quanto mais atual o sistema mais legal, mesmo que o proprietário jamais vá pedalar onde sejam necessárias tantas marchas. E os “entendidos” foram para as 20, depois as 11, 12, 13 marchas, mas ainda não colou no povão. Wireless! Ops! esqueceu de trocar a bateria do wireless e ficou sem marchas? 

Bom exemplo do que é o mercado são os quadros de alumínio, que todos acham que foram introduzidos no mercado porque são mais leves que os de aço e cromo-molibdênio. Normalmente não são, pelo menos nas bicicletas mais básicas. Só são nas bicicletas top de linha. Bicicletas mais baratas usam alumínio de liga mais barata, que é mais frágil, portanto precisa mais material para ter a resistência necessária, o que em outras palavras pode ser traduzido como peso. Por isto os tubos são grossos. Final das contas, tão ou mais pesado que uma de cromo-molibdênio. Mas todo mundo queria uma porque são mais vistosas. Para os fabricantes a entrada do alumínio diminuiu os custos de produção e como os tubos tem que ser mais grossos a marca da bicicleta fica muito mais visível que nos tubos de cromo-molibdênio. E para os leigos parece com aquelas bicicletas dos campeões. Enfim, todo mundo feliz.

As mountain bikes vinham com cantilever, sistema de freio que permite muitas regulagens, de uma frenagem mais suave a uma mais rápida e firme, com a modulagem que o ciclista desejar. Mas são chatos de regular, tomam muito tempo na oficina, poucos os mecânicos sabem fazer bem o trabalho. Para o setor o Vbrake foi um achado; simples e rápido no montar e ajustar, menos peças, qualquer um faz, bom para os lucros.  Os profissionais começaram a usar o Vbrake porque são ciclistas profissionais e são patrocinados pelos grandes fabricantes. E todo mundo foi para o Vbrake, mesmo que a frenagem fosse tão violenta que boa parte dos ciclistas iniciantes tenha voado por cima do guidão. E o mundo não para, o progresso (?) também. Veio o freio a disco, que no início freava pouco e agora freia bem, mas torra pastilhas que custam uma nota, bom negócio para os fabricantes e bicicletarias. Mas quem se importa? Para o povão  chique é ter um freio a disco como das bicicletas top. E assim vamos.
Show bike da Specialized:
lindo, mas... ; inviável
E o mercado precisa encontrar novos caminhos para estimular as vendas; vieram as fixas, as urbanas, as 29, as estradeiras...

Qual é a sua referência?

Eu, em particular, prefiro pedalar, não importa a bicicleta. Minha referência é o “pedalar” em si. Até gostaria de ter uma top de linha, mas temo roubo e prefiro evitar assalto a mão armada, o que infelizmente é comum, todos sabem. Mas minhas restrições às bicicletas muito sofisticadas não param aí. Quem já teve a experiência de estar com uma bicicleta sofisticada e ter que voltar para casa porque deu problema numa peça besta, mas muito sofisticada, que só se encontra nas bicicletarias especializadas, sabe a raiva que dá. Não passei por esta, mas já vi passarem e não foi uma ou duas vezes. 
Lembro da primeira vez que um amigo apareceu com uma bicicleta com pneus sem câmaras, uma novidade então. A bicicleta era maravilhosa, ele dizia que era mais difícil de furar o pneu, mas por ironia do destino na hora que o passeio deveria sair o bendito pneu sem câmara, sonho de boa parte dos que estavam lá, furou, murchou. E foi um baile conseguir conserta-lo.

O que você quer?
Defina o que você pretende fazer com a bicicleta. Há um modelo para cada uso. Não vale a pena comprar uma 29 baratinha com 21 marchas para fazer trilha, tanto porque ela não tem redução própria para off road quanto porque não foi projetada para aguentar o tranco. Também não faz sentido comprar uma bicicleta cara para usar como modo de transporte, ou seja, que vá ficar muito suscetível a roubos e assaltos, cada manutenção vai custar uma poupança, os pneus vão gastar muito rápido... e sua mulher vai querer te matar!

De preferência ter uma bicicleta que dê liberdade, que você não tenha que se preocupar. A partir de um preço, uns US$ 500,00 (R$ 2.000,00) as bicicletas são boas, não chamam muito atenção, vão e voltam de qualquer lugar, até em trilhas leves. Falo de ciclista comum, não de esportista de competição.
Não recomendo comprar bicicletas muito baratas porque vão dar problema, muito problema, mais que se possa imaginar. O bom para um leigo é ter uma bicicleta que rode e rode e rode sem apresentar qualquer problema.
E por favor, entenda uma coisa simples: uma coisa é a aparência outra é a função. Exemplo típico: bicicleta com suspensão dianteira e traseira para funcionar direito custa caro. As baratas são pura enganação.

Ter ou ser?
Pé de chinelo, literalmente, é aquele sujeito bem simples, pobre, para dizer sem rodeios, que vem com uma bicicleta precária e passa a mil por você pedalando com sandálias Havainas, daí o apelido. Passa por você, pelos ciclistas com bicicletas caras todo equipados, passa pelo sujeito treinado, e vai embora na maior naturalidade. Ele simplesmente pedala. Este é meu herói.
Adoro todos aqueles que tem uma bicicleta correta, bem cuidada, e vão na deles, curtindo o dia, curtindo o pedal, curtindo as companhias, curtindo a vida. Pedalam!

Não é a bicicleta, é o pedalar. É lógico que uma boa bicicleta ajuda, mas definitivamente não é tudo.

3 comentários: