Os sistemas de marchas funcionavam maravilhosamente bem no começo do mountain bike, naqueles anos festivos das 21 marchas, isto basicamente até 1992, e ninguém pensava em tentar entender como eles realmente trabalhavam. Era moleza, se tudo estivesse como o manual da Shimano mandava, que eram instruções bem simples, para qualquer um entender, a precisão de todos os modelos e níveis era maravilhosa, não importava se fosse os mais simples, os 100GS ou os Deore XT, topo de linha de então. Ainda existiam os de 18 marchas, 6 velocidades na catraca, que também funcionavam com uma suavidade e precisão invejável até hoje. Cara, era uma delícia, só quem experimentou sabe. Mais um detalhe: se bem ajustados eram praticamente indestrutíveis, duravam, duravam, duravam...
Coloquei 'até 1992' porque a partir daí começaram as inovações. Primeiro veio o 24 marchas da Suntour (MicroDrive? acho que é isto), com suas coroas de diâmetro menor, trocas de marchas ásperas, mas uma relação ótima para trilhas, ou mountain bike de verdade. A verdade é que a Suntour anteviu o que iria acontecer com o esporte, que a cada dia ficava mais radical. A era das trilhas e provas pensadas para a antiga relação de 21 marchas e uma redução máxima de 1 para 1 estava ficando no passado, e ficou.
Um detalhe: lá por 1992 Tom Ritchey, um dos gênios do mountain bike, deu uma entrevista dizendo que o futuro estaria nas 12 marchas, uma coroa na frente e relação de 12 velocidades atrás. Bingo! Cá estamos. Eu não gosto e pelo que tenho acompanhado começa a aparecer gente grande dizendo que prefere com duas coroas na frente. Mas o povão gosta e é isto que vale para o mercado. Quem for isento e tiver a oportunidade que experimente uma 21 marchas, 7 atrás e 3 na frente, das antigas, óbvio que para uso urbano ou mountain bike básico.
Usar uma relação de mountain bike radical no meio da cidade é um pouco mal pensado, para dizer o mínimo. Cada qual no seu lugar. Se dizer que é uma brincadeira cada dia mais cara.
E sei lá onde, um dia acabei conseguindo saber como se dá a troca de marchas no câmbio traseiro, qual é a ciência por trás. O resumo é: a geometria do câmbio tem que combinar com a inclinação da relação. (Cuma?) Ou seja, o paralelogramo, o cage ou gaiola, e as polias tem que se mover acompanhando o alinhamento da relação.
De maneira mais simples, a polia superior do câmbio tem que mover-se pŕoxima e paralela com a linha de inclinação que existe entre a menor e maior velocidade da relação. Se a inclinação entre a primeira e última marcha / velocidade da relação tem 45º de inclinação, a polia superior do câmbio também deve mover-se para cima e para baixo a 45º. É o que estabelece um dos principais fatores para a precisão na troca de marchas.
Por isto que quando se usa um câmbio para ciclismo de estrada numa relação para mountain bike a precisão é baixa ou vai para o espaço. O inverso também vale, com uma diferença: existe uma grande possibilidade de um câmbio de estrada ir para o espaço quando este trabalha com uma relação de mountain bike. Em suma, cada relação tem seu câmbio, mais ainda hoje em dia, principalmente quando o sistema é topo de linha, os mais caros.
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agradecimentos a Sram |
Para tudo funcionar bem vai entrar tensão correta de corrente e outros fatores, mas vou supor que está tudo certo e que só falta ajustar o câmbio.
Vendo um Youtube inglês o especialista disse que os sistemas de marchas básicos, os mais baratos e simples, perderam precisão e muitos, incluindo os Shimano, se tornaram imprecisos. Creio que tenha sido numa entrevista no GCN. Quem conhece um mínimo de mecânica sabe disto faz muito tempo. Quero ver o diabo na minha frente, mas não quero regular um Shimano Tourney com uma catraca Mega Drive. Por mais que se faça não tem precisão, não faz juz ao sucesso mais que merecido da própria Shimano. Ai! que saudades dos 100GS.
Felizmente, mas felizmente mesmo, Mega Drive foi descontinuado. Demorou Shimano! Parece que o Tourney também.
- Não funciona, não funciona, não funciona...
Num dos meus surtos de loucura consegui fazer funcionar um Shimano Tourney, o modelo mais básico dos japoneses. Quando coloquei a mão nele estava torto, situação comum para um câmbio que é fabricado com um aço um tanto mole. Funcionar é um certo exagero, porque mesmo que fosse zero e com tudo em cima seu funcionamento é um tanto impreciso, mas esta é uma outra história.
Depois de desintortado e realinhado ele ainda engatava as marchas com alguma boa vontade e muita irritação, mas engata, sobe e desce as marchas aos pulos... Nhaca! Assim não fica!
Quando a Shimano entrou no mercado de bicicletas eles introduziram um grau de precisão que até então era desconhecido no setor. Introduziram o mesmo nível de qualidade da indústria automobilística. Maravilha! Para eles foi relativamente fácil porque já eram respeitadíssimos na fabricação de carretilhas de pesca, das melhores do mercado. São verdadeiras joias.
Para que as marchas troquem todo sistema tem que trabalhar com um mínimo de precisão. Se passador, cabo e conduites, gancheira, corrente, relação, tudo está em ordem, se as peças são todas compatíveis, o que resta, o finalmente, é o câmbio. Ele que empura a corrente para cima e para baixo e faz a troca de marchas.
No meu câmbio visivelmente torto primeiro alinhei o cage, ou gaiola que segura as duas polias, depois troquei a polia superior que estava gasta e tendo movimentação laterial maior que o recomendável. As polias trabalham com uma pequena movimentação lateral para acompanhar a movimentação natural que a corrente vai ter enquanto se pedala. As trocas de marchas melhoraram muito, mas ainda estavam longe de ser minimamente normal.
Quando a coisa não está dando certo é melhor parar um pouco e esquecer o que está fazendo. No dia seguinte peguei a bicicleta e imediatamente percebi que o alinhamento logitudinal da polia não estava correto. Como o material é mole, peguei um alicate francês, ou alicate bico de papagaio, e alinhei o cage. Saí para a rua e bingo! pelo menos funciona com uma precisão aceitável. Meu bolso agradece.
"Arturo, a historinha pode ser boa, mas que explicação de merda!" Quer saber, concordo. Então vamos lá, resumindo toda esta falação:
Se o câmbio estiver desalinhado não vai funcionar bem. Tem que estar alinhado na vertical, horizontal e longitudinal. Alinhado com o que? O longitudinal com o quadro, o horizontal com o alinhamento dos aros da roda, e o vertical com o eixo da roda.
Qualquer um consegue ver estes alinhamentos. Basta colhar com cuidado e atenção.
O mais comum é o câmbio desalinhar na vertical. É fácil de ver. Olha por trás da bicicleta, se o câmbio estiver 'para dentro' provavelmente a gancheira entortou, o que é fácil e urgente de se resolver. Gancheiras geralmente entortam quando a bicicleta cai parada.
Enfim, as marchas tem que trocar suave e precisamente. Ponto final
No meu caso fiz tudo, mas não percebi que o eixo da polia não estava alinhado na vertical. Bingo!
Manual de montagem e ajuste dos câmbios Shimano - os básicos: